QUALQUER “PÂNICO NA TV” É MELHOR QUE “BORAT”
“De tanto ver triunfar as nulidades, o homem chega a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. O autor desta frase, Rui Barbosa, morreu em 1923, ou seja, não chegou sequer a conhecer o cinema falado. Ah, e também não chegou a assistir “Borat”. Mas o que ele disse tem tudo a ver com o filme. É cada vez mais impressionante o sucesso de lançamentos cinematográficos absolutamente nulos de qualidade. Como “Borat”.
Vamos aos fatos: Borat Sagdieyv é um personagem criado pelo humorista
Inglês Sacha Baron Cohen, bastante conhecido da TV britânica. Trata-se de um repórter fictício, machista, anti-semita e politicamente incorreto, que trabalha numa suposta emissora de TV do Casaquistão. O sucesso deste personagem nas emissoras inglesas motivou um grupo de produtores a levantar algo em torno de U$ 18 milhões para que Borat pudesse estrear nos cinemas. Foi realizado então um filme simples, com jeitão amadoresco, onde o tal repórter sai pelos Estados Unidos entrevistando variados grupos de pessoas, perguntando sobre os hábitos, costumes e pensamentos do povo norte-americano. Fingindo ingenuidade, desconhecimento do idioma e de noções básicas de civilidade,.Borat acaba chocando e escandalizando os americanos conservadores, com suas perguntas e posturas inadequadas.
Até aí, nada de mais. Apenas mais um filminho que, como tantos, tenta fazer humor às custas do mau gosto. O grande problema é que o tal “filminho” consegue realizar uma super-estréia nos EUA, onde fatura mais de US$ 26 milhões, em 837 cinemas, apenas no primeiro final de semana de exibição. No momento, ele se encaminha para os US$ 130 milhões faturados só nas bilheterias da América do Norte, fora os 23 milhões de libras do mercado britânico. Quer mais? Anote: “Borat” está acumulando premiações inacreditáveis, incluindo o Globo de Ouro de Ator (categoria Comédia) para Sacha Baron, e uma indicação ao Oscar de Roteiro Adaptado que só pode ser mais uma piada (também de mau gosto) da Academia.
A parte da crítica que apóia o filme elogia sua suposta coragem em trafegar por caminhos politicamente incorretos, num mundo enfadonhamente dominado pelos politicamente corretos. Chamam o filme de transgressor, quando na realidade ele é apenas tosco. Fazer rir com situações que usam e abusam da escatologia está longe de ser algo transgressor desde que “Débi & Lóide” e “Quem Vai Ficar Mary?” introduziram o estilo de humor “porta de banheiro” no cinema mundial. Criar comédia em cima dos conservadores americanos é, no mínimo, covardia, já que eles se constituem numa sociedade patética por si só. É o chamado “chutar cachorro morto”. E falar palavrão apenas por falar geralmente deixa de ser engraçado ao ser humano médio quando ele completa quatro ou cinco anos de idade.
O que explica, então, o sucesso de “Borat”? Acredito que esta pergunta deva ser respondida por sociólogos e psicólogos, e não por um crítico de cinema. Cinematograficamente falando, “Borat” é muito inferior – em forma, conteúdo, inteligência e bom humor – a qualquer programa “Pânico na TV”.
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Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Casaquistão Viaja à América (Borat – Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation). EUA, 2006. Direção de Larry Charles. Com Sacha Baron Cohen e Ken Davitian.