“QUATRO PAREDES” E “SEM CHÃO”: A FORÇA DOS AUTODOCUMENTÁRIOS.

Por Celso Sabadin.

Não pesquisei ainda se já foi criado algum termo específico para designar o documentário no qual o documentarista documenta a sua própria história enquanto ela acontece. Depois eu pergunto pro Bill Nichols … Enquanto isso, quero destacar dois destes “autodocumentários” (vamos chamá-los assim, por enquanto), que estão chegando quase simultaneamente ao Brasil: “Quatro Paredes” e “Sem Chão”.

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Quatro Paredes

Traduzido no Brasil como “Quatro Paredes”, o longa “Black Box Diaries” é um documentário investigativo criado, desenvolvido e dirigido pela jornalista japonesa Shiori Itô. Em 2015, ela foi estuprada pelo colega de profissão Noriyuki Yamaguchi, fato que marcou o início de uma verdadeira descida aos infernos por parte da jovem.

Além da violência do ato em si, Shiori ainda teve de se defrontar com três gigantescas dificuldades adicionais: a arcaicidade machista das leis japonesas, que dificultam sobremaneira a imputação do crime a um acusado masculino; o conservadorismo da própria sociedade civil do país, que em boa parte acredita que a mulher não deve denunciar o estupro, para não se expor publicamente; e o fato do seu estuprador ser amigo pessoal de Shinzo Abe, o primeiro ministro japonês, na época do crime.

A partir desta equação desesperadora, Shiori luta contra tudo e contra todos para levar seu caso adiante, em busca de justiça.

Há cenas simplesmente inacreditáveis. Uma delas, por exemplo, mostra o acusado, intimado a comparecer a uma audiência pública, posando de vítima, lamentando-se do “estresse pós-traumático” que vem sofrendo, após o estupro. Ele afirma também que se arrepende de ter estuprado Shinzo, mas não acredita que isso seja realmente um crime, e sim apenas uma questão ética. O mais revoltante: absolutamente ninguém, no plenário lotado, emite sequer o menor sinal de repúdio. Todos assistem calados. E quem cala, consente.

O filme é coproduzido por Japão, EUA e Reino Unido.

 

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Sem Chão

Três dias após a chegada de “Quatro Paredes” em canais de streaming, outro soco no estômago aguarda o cinéfilo: “No Other Land”, o documentário que acaba de vencer o Oscar em sua categoria, e que aqui no Brasil foi batizado como “Sem Chão”.

O título brasileiro é inspirado e adequado: no filme, não é apenas toda uma comunidade de palestinos que fica sem chão, como também o próprio espectador, que assim como acontece com “Quatro Paredes”, é apresentado a cenas difíceis de assimilar.

O longa denuncia os métodos terroristas adotados pelo exército israelense contra a comunidade palestina de Masafer Yatta, localizada ao sul da Cisjordânia. Ali, sem nenhum tipo de comunicação prévia, os moradores são surpreendidos pela presença de escavadeiras que – sem possibilidade alguma de negociação – derrubam suas casas. O motivo alegado é que a região foi unilateralmente declarada como de utilidade do exército de Israel, para a execução de manobras de guerra. Logo, as casas têm de sair, e ponto final.

Potencializando o método de terror, tudo é feito aos poucos, durante anos, em dias espaçados, de surpresa, minando de forma contundente e progressiva a capacidade de resistência dos palestinos.

O assunto só consegue ganhar algum destaque na mídia local porque a população se mobiliza – em conjunto com o jornalista israelense Yuval Abraham – para tentar reverter a situação.

“Sem Chão” é um trabalho coletivo, realizado pelos moradores Basel Adra, Hamdan Ballal e Rachel Szor, além do próprio Yuval Abraham. O resultado é de uma potência avassaladora que tira efetivamente o chão do espectador, de tão absurdas que são suas cenas. Um exemplo: uma escavadeira destruir, em segundos, uma escola de educação infantil, sem se importar se dentro dela há ou não alunos. Há momentos em que o filme parece até ser ficção, de tão inacreditáveis que são suas imagens. A má notícia é que é tudo verdade.

Como só era de se esperar, “Sem Chão” teve dificuldade em encontrar um grande distribuidor nos EUA. Foi lançado em circuito de salas limitado em janeiro, numa colaboração entre produtores e as empresas Cinetic Media e Michael Tuckman Media.

 

Novo Canal 

“Quatro Paredes” e “Sem Chão” marcam a chegada no novo canal Filmelier+, já disponível para assinatura no Prime Video (R$ 14,90 ao mês). O primeiro lançamento inédito e exclusivo do Filmelier+ será  “Quatro Paredes”, disponível a partir de 11 de março. Já o vencedor do Oscar de Melhor Documentário “Sem Chão”, tem lançamento nos cinemas confirmado para o dia 13 de março, e chega com exclusividade no canal Filmelier+ em abril. O serviço – disponível no Brasil, México, Chile e Colômbia – é um lançamento da SOFA DGTL, que também opera o Adrenalina Pura.