QUEM PARASITA QUEM EM “PARASITA”?

Por Celso Sabadin.
 
Uma família de desempregados vive – literalmente – abaixo da linha da pobreza: eles moram num porão semi-subterrâneo cuja janela dá diretamente para o nível da calçada. É o ponto de vista de onde eles observam as incursões diárias de embriagados que urinam sobre suas vidas. Existe, porém, uma luz no fim do porão: uma outra família – esta milionária e vivendo numa mansão cinematográfica – precisa de um professor particular de inglês, o que pode significar a salvação dos desempregados. Nem que para isso eles sejam obrigados a deixar toda e qualquer ética e honestidade de lado.
 
Contudo, quem parasita quem em “Parasita”? Num primeiro momento, pode-se até pensar que os personagens pobres – com suas falsificações, armações e mentiras – sejam os seres parasitários do título. Mas uma análise minimamente mais cuidadosa revela que as verdadeiras relações simbiótico-destrutivas têm de fato suas raízes fortemente fincadas num tipo de sociedade que permite distorções tão avassaladoras. Por que, enquanto milhares de pessoas se afogam nos porões da pobreza, uma única família sequer sabe que há um porão em sua própria casa?
 
O abismo social que gera a consequência revanche dos oprimidos – o grande tema do filme – não é exatamente a pedra mágica de “Parasita” (no caso, a pedra do bonsai), posto que o enfoque tem sido recorrente no cinema atual. Aí estão “Bacurau”, “Coringa”, “A Odisseia dos Tontos” e – com outro olhar – “Casagrande”, “Que Horas Ela Volta”, “Roma”, “A Camareira”, etc – para comprovar a tese. O grande diferencial de “Parasita” é mesmo o estilo de seu roteirista e diretor Bong Joon Ho (o mesmo do sensacional “Hospedeiro”, do pungente “Mother” e do mediano “Okja”), cineasta que destrói com extremo talento as camisas de força dos antigos gêneros cinematográficos que a conservadora indústria do setor ainda teima em manter vivas. Ho transita com total desenvoltura pela comédia, drama, horror, suspense e até aventura na realização deste seu épico urbano que derruba todas as barragens estéticas para narrar uma trama de derrubada de barreiras sócio-econômicas. O imponderável está sempre presente sem perder a verossimilhança, a surpresa é elemento constante, e os seus já conhecidos exageros estilísticos fazem com que várias cenas se equilibrem deliciosamente no tênue limite que separa o bizarro da tragédia.
 
Não por acaso, “Parasita” é um dos maiores colecionadores de prêmios cinematográficos do ano. Incluindo o maior de todos: a Palma de Ouro em Cannes, ratificando a força do cinema sul coreano.