“QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?” É A ÍNDIA NO OSCAR.

Quem poderia imaginar? Uma produção totalmente rodada na Índia, sem nenhum ator conhecido do grande público, ser indicada a 10 prêmios Oscar e faturar (até agora) quase US$ 80 milhões? Esta é a história por trás do filme “Quem Quer ser um Milionário?”, co-produção anglo-americana dirigida pelo inglês Danny Boyle (do badalado “Trainspotting”) em parceria com a estreante indiana Loveleen Tandam.

Quais poderiam ser as possíveis explicações para este sucesso? Em primeiro lugar, o roteiro. A partir do livro “Q&A”, de Vikas Swarup, o roteirista inglês Simon Beaufoy (o mesmo do premiadíssimo “Ou Tudo ou Nada”) desenvolve uma história nunca menos que empolgante. A primeira cena mostra o jovem Jamal (Dev Patel) prestes a ganhar o prêmio máximo do programa de TV que dá nome ao filme. Cortes rápidos alternando o tempo atual com flash backs imediatamente nos mostram o outro lado desta milionária moeda: Patel é brutalmente torturado para que confesse uma suposta fraude. Afinal, nascido na classe baixa de Mumbai (antiga Bombaim) e crescido como menino de rua, o jovem jamais poderia ter acumulado conhecimento suficiente para vencer este “Show do Milhão” indiano. É o que dizem. É o que pensam. Vale lembrar que a Índia sofre atualmente uma crise religiosa, já que o país vem enriquecendo com a indústria de informática, mas sua milenar estruturação religiosa-social exige castas imutáveis, onde pobre morrerá pobre e rico morrerá rico, sem mobilidade, o que fez nascer uma espécie de classe média “culpada” por ter conquistado uma posição melhor na vida. Neste panorama, o favelado Jamal se tornar um milionário é praticamente uma heresia, um insulto.

O filme começa a se desenhar com mais consistência na medida em que um delegado, ao tomar o depoimento de Jamal, exige dele explicações para cada uma das respostas certas dadas ao show da TV. E Jamal vai aos poucos justificando cada uma delas através de passagens marcantes de sua vida. E que vida! Miséria, traições, intolerância religiosa, paixão, exploração infantil, fugas espetaculares, tragédia, envolvimento com o crime… parece que não há nada que o rapaz – ainda com parcos 18 anos de idade – ainda não tenha vivenciado na própria pele. Tantos episódios mirabolantes juntos inevitavelmente acabam por encaminhar o filme para um estilo melodramático. É assim mesmo. Tanto que na cena final (o espectador verá) o diretor Boyle escancara sua homenagem à estética “bollywoodiana” de fazer cinema. Com direito a um desfecho eletrizante.

Puro entretenimento (ação + crime + romance) revestido com sub-textos de crítica social. Não poderia dar mais certo: “Quem Quer Ser um Milionário” agrada ao fã do cinema comercial, ao mesmo tempo em que satisfaz público ávido por leituras mais sofisticadas.

Não por acaso, levou quatro prêmios no Globo de Ouro (Melhor Filme Dramático, Direção, Roteiro e Trilha Sonora) e mais cinco no Critics Choice Awards: Melhor Filme, Diretor, Roteiro, Melhor Jovem Ator para Dev Patel e Melhor Trilha Sonora. Claro, tudo isso sem falar nos 7 Baftas conquistados. Oscar? Só no dia em que a Academia deixar de lado uma superprodução estrelada por Brad Pitt e Cate Blanchett para premiar um filme todo rodado na Índia e sem ninguém famoso. O que pode acontecer no domingo da premiação… ou no Dia de São Nunca. À tarde.

Ah, o Danny Boyle detesta que falem do assunto, mas é inegável a influência de Fernando Meireles e o seu “Cidade de Deus” nas cenas de favela e na relação dos irmãos de “Quem Quer Ser um Milionário?”.