“REALITY – A GRANDE ILUSÃO” CRITICA AS APARÊNCIAS SOCIAIS COM VIGOR NAPOLITANO.

Um grande plano-sequência feito de helicóptero abre o filme. Vê-se uma panorâmica da cidade de Nápoles, aos pés do vulcão Vesúvio. A câmera procura, em meio ao trânsito da cidade, uma improvável carruagem típica de contos de fada, dourada, puxada por dois garbosos cavalos brancos. Logo se percebe: é um casamento. E um casamento repleto de ostentações, onde não falta sequer a breve e absurda aparição de um “famoso”, representado por um patético ex-Big Brother local. Assim como acontece “na cada D´Irene”, se canta, se ri, se bebe e se dança.
Logo em seguida, vem a cena mais bela do filme: os convidados retornam à casa – um antigo e outrora majestoso palacete agora transformado em cortiço – onde lentamente começam a se despir das máscaras, maquiagens, vestidos e fantasias que usaram na festa. A noite traz de volta a realidade.

Com esta belíssima introdução, o roteirista e diretor Matteo Garrone (o mesmo de “Gomorra”) abre a história de Luciano (Aniello Arena, ótimo), dono de uma peixaria que, meio sem querer, acaba entrando num concurso para se candidatar à próxima edição do “Grande Fratello”, o Big Brother da Itália. Os problemas começam quando Luciano é chamado para uma segunda eliminatória, agora em Roma, e começa a acreditar que realmente tem chances de entrar no programa. O que era uma esperança, vira uma obsessão; e a obsessão caminha a passos largos para a loucura.

Assim como seu conterrâneo Luchino Visconti já havia feito, em 1952, no maravilhoso “Belíssima”, Garrone também busca criticar e satirizar a nociva indústria da fama vazia e cruel. Se há 60 anos Visconti mirou suas lentes contra a banalidade da indústria cinematográfica, agora Garrone elege a TV como sua vítima. Mais que a própria TV, os tais “reality shows”, que de reality não têm nada. Luciano, o homem comum, assim como a maioria dos homens comuns, acredita, tem fé e sonha, mas a simples possibilidade de ser alçado à condição de semi-deus, via televisão, arranca-lhe o chão, o eixo e o equilíbrio, e o antes provedor da família se transforma numa ameaça.

Há contudo, um elemento adicional profundamente intrigante no filme de Garrone: o tal casamento do começo. Mais do que simplesmente criticar a imbecilidade da TV, o que seria por si só uma mesmice redundante, Garrone escancara os pequenos e múltiplos big brothers que a sociedade se acostumou a armar. São festas de casamento, formaturas, coquetéis corporativos e uma série sem fim de pequenos eventos sociais onde as falsas aparências se sobrepõem a qualquer tipo de bom senso, e onde reina o cafona em suas formas mais patéticas. O Big Brother televisivo seria apenas o reflexo ampliado desta sociedade moralmente falida.

Ainda que perca o ritmo em determinados momentos, “Reality – A Grande Ilusão” resgata os bons momentos da comédia italiana ao mesmo tempo em que toca em temas importantes destilando uma bem equilibrada mistura de drama, critica contundente e suave ternura. Coproduzido por Itália e França, o filme levou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes.