Reencarnação

Existem filmes onde a forma como a história é contada é mais interessante que a própria história em si. É o caso de Reencarnação, de Jonathan Glazer, o mesmo diretor de Sexy Beast. Com roteiro de Milo Addica (de A Última Ceia), do veterano francês Jean Claude-Carrière (habitual colaborador de Buñuel) e do próprio Glazer, o filme causa estranheza ao mostrar um garoto de dez anos (Cameron Bright, de O Enviado) que jura ser a reencarnação do falecido marido de Anna, personagem de Nicole Kidman. A princípio, Anna e sua família pensam que tudo não passaria de uma brincadeira de mau gosto, mas como aquele simples garotinho poderia saber tanto a respeito de sua suposta “vida pregressa”?
O filme não propõe respostas fáceis. Pelo contrário, ele é um exercício de direção de Glazer, que parece aqui tomar emprestado um pouco do estilo soturno e enigmático que Paul Thomas Anderson utilizou em Magnólia. Chama a atenção a maneira pela qual o diretor esticou os tempos de determinadas cenas, acentuando a sensação de desconforto da personagem ao contrariar abertamente os paradigmas clipados do cinema atual.
A estanheza do olhar é acompanhada pela estranheza auditiva, já que a trilha sonora do francês Alexander Desplat – criativa, instigante e provocativa – é um capítulo a parte que se dá ao luxo de usar até solos de tímpanos para sair da mesma média que assola os filmes recentes. Sublinhando todo o clima de pesadelo que envolve o filme, a fotografia de Harris Savides (de Elefante) é soturna e pesada, como se um grande e espesso véu de céu nublado coroasse todos os dias da ação filmada.
Enigmático, misterioso, sem respostas prontas, dirigido por um inglês roteirizado por um time de europeus, musicado por um francês e estrelado por uma australiana nascida no Havaí, Reencarnação nem parece um filme americano. O que se torna, surpreendentemente, a sua melhor qualidade.