Reis e Rainha

Para o Bem e para o Mal, Reis e Rainha é um filme extremamente francês. Suas principais qualidades residem em alguns dos mais tradicionais e cristalizados méritos do cinema produzido na França. Quais sejam: é apegado a questões psicológicas, tem um roteiro inteligente que busca dissecar alguns dos aspectos mais escondidos da alma humana, tem um lado introspectivo e analítico que faz a alegria dos apreciadores do cinema de arte, e é muito bem interpretado.
Da mesma forma que seus principais problemas também são tipicamente franceses: muitas vezes exagera no “psicologuês”, usa e abusa de citações literárias/eruditas nem sempre digeríveis diante da rapidez da linguagem cinematográfica, e muitas vezes privilegia o conteúdo ao ritmo (não sem motivos, são 150 minutos de projeção).
A “rainha” do título é Nora (Emmanuelle Devos), viúva, 35 anos, diretora de uma galeria de arte (coisa mais chique e parisiense…), prestes a se casar pela terceira vez. Na verdade, este seu “terceiro” casamento será de fato o primeiro, mas isso o filme vai explicar aos poucos. Não cabe ao crítico estragar as surpresas. Ao saber da crítica condição de saúde de seu pai (o veterano Maurice Garrell), Nora passa a se confrontar com antigos problemas que talvez ela mesma julgasse esquecidos, como o contato com a irmã problemática.
Paralelamente, o roteiro apresenta Ismael (Mathieu Amalric, que venceu o César de melhor ator por este filme), músico literalmente à beira de um ataque de nervos, e devedor de uma fortuna para o imposto de renda. Por motivos diferentes, Nora e Ismael passam a ser freqüentadores do ambiente hospitalar: ela para cuidar do pai; ele para cuidar dos próprios nervos.
O leitor mais afoito certamente já “montou” o restante do filme em sua cabeça. Nora e Ismael se conhecem no hospital, resolvem entre si suas mútuas dificuldades de relacionamento, e ficam juntos no final. Tudo errado. Nem no mesmo hospital eles estão. Afinal, como foi dito lá em cima, o filme é extremamente francês.
Indicado a sete César. Reis e Rainhas é um filme do qual deve se contar muito pouco da trama. Quanto menos, melhor. Há surpresas, confissões dolorosas (em especial a leitura de uma carta póstuma, certamente uma das mais cruéis que o cinema já criou), conflitos, reconciliações (ou não). Tudo isso dentro de um estilo de direção no mínimo intrigante, que abre espaços para experimentações, sem perder o rumo da história. Preste atenção, por exemplo, à trilha sonora, pontuada por momentos propositalmente dissonantes.
Quem é fã do cinema francês vai gostar. E quem não é, não será com este filme que vai passar a ser.