“RELATOS DO FRONT” MOSTRA COMO O PAÍS PERDE A GUERRA PARA A VIOLÊNCIA.

Por Celso Sabadin.
 
Desde muito cedo a gente aprende – ou na faculdade de jornalismo ou na vida – que “não se deve” sensacionalizar as imagens de tragédias. Abrir câmera para pessoas chorando a perda de entes queridos não é visto com bons olhos pelas regras éticas da produção audiovisual. O documentário “Relatos do Front” me obrigou a questionar este conceito. Afinal, o mundo mudou de tal maneira desde aquele período paleozoico em que eu fiz faculdade de jornalismo que está cada vez mais difícil estabelecer (ou reestabelecer) qualquer tipo de princípio ético.
Confesso que minha primeira reação foi a de rechaçar as cenas mais fortes do filme. Mas as poucos me peguei com vários questionamentos: o que é antiético? Mostrar as lágrimas e o desespero de quem perdeu familiares na guerra contra a violência, ou conviver calado com isso? Não tenho respostas no momento. Só sei que o filme me impactou fortemente.
 
Dirigido por Renato Martins (o mesmo do ótimo “Geraldinos”), com roteiro do próprio diretor em parceria com Gabriel Pardal e Sergio Barata, “Relatos do Front – Fragmentos de uma Tragédia Brasileira” faz um amplo e profundo retrato desta guerra civil não declarada que é a (falta de) segurança pública no Brasil. O foco principal é o Rio de Janeiro, mas a amostra vale para toda a nação.
 
O documentário começa contextualizando com a crueldade e a irrefutabilidade dos números o fato do Brasil ter arrastado violentamente da África até aqui, na época da escravidão oficial, cerca de 12 milhões de negros, contra 600 mil dos Estados Unidos, por exemplo. E explica como o desembarque da Família Real no Rio de Janeiro, em 1808, fez do Brasil – um dos últimos países a abolir a escravatura – um lugar onde a polícia e a repressão chegaram antes que o governo e a própria civilidade. Somos, enraizadamente, um estado exploratório e violento comandado por uma elite racista. E parece que assim sempre seremos.
Sedimentada a contextualização histórica, o filme prossegue mostrando como tudo só piorou e continua piorando. A partir de relatos de policiais e ex-criminosos, costurados com depoimentos de familiares de vítimas e especialistas, o filme apresenta um cenário de violência urbana e problemas sociais, causados por uma gigantesca ineficiência das políticas públicas.
O filme escancara como o modelo vigente de investimento em armamento e não em treinamento e inteligência mostram-se ineficazes, além de retratar uma sociedade, em constante pânico, refém de ações policiais pirotécnicas e ineficazes incensadas pela mídia.
Sem tomar partido, “Relatos do Front” tenta ouvir todos os lados da questão, e finaliza com a conclusão que a segurança está sendo administrada da pior maneira possível pelo poder público. E sem sinais de mudança de rumo.
Em uma única palavra: é desesperador.