RELEITURA DE “BERLIN ALEXANDERPLATZ” ABORDA O REFUGIADO COMO EXCLUÍDO.

Por Celso Sabadin.

É sempre aquela velha e boa pergunta: por que refilmar clássicos? Por que se expor à comparação com obras-primas já consagradas? Ou, neste caso, por que refilmar “Berlin Alexanderplatz”, a monumental série de TV (14 episódios, quase 1.000 minutos) que Rainer Werner Fassbinder realizou em 1980 para a WDR – Westdeutscher Rundfunk – em parceria com a
RAI – Radiotelevisione Italiana?
As respostas podem ser variadas, e para respondê-las precisamente deveríamos conversar com os produtores do filme, o que não fizemos. Mas para apreciar melhor este novo “Berlin Alexanderplatz” acredito que o melhor a fazer é vê-lo como uma obra independente, sem compará-la com Fassbinder (o que, além de tudo, seria muito cruel para o novo diretor, Burhan Qurbani).
Vale ressaltar que esta versão 2020 do filme, ainda que baseada no mesmo livro que norteou a versão de 1980 (de autoria do médico e escritor Alfred Döblin, de 1929), é uma releitura adaptada para a contemporaneidade. Sem problemas. Mesmo porque o próprio Fassbinder já havia feito a sua releitura do livro que já rendera um filme em 1931, dirigido por Phil Jutzi, que contou com a colaboração do próprio Döblin no roteiro. Nada contra releituras.
Posto isso, vamos ao filme de 2020 que, em linhas gerais, mantém a mesma trama. Francis (Welket Bungué, nascido na Guiné Bissau, e que esteve na coprodução luso-brasileira “Joaquim” e no brasileiro Corpo Elétrico”) é um homem que não consegue encontrar seu lugar ao sol na sociedade contemporânea. Se no filme de 1980 o personagem era um ex-presidiário, aqui ele é um refugiado africano tentando viver na Alemanha com um mínimo de dignidade. Pressionado por injustiças e preconceitos, Francis desce então ao submundo da criminalidade, das drogas e da prostituição, tentando não apenas enriquecer, mas sobretudo deixar de ser africanamente “Francis” para tentar ser germanicamente “Franz”, com toda a carga cultural e sociológica que esta impossível transformação possa acarretar.
É sobre o choque entre os dois mundos – o que se é, e o que se deseja ser – que “Berlin Alexanderplatz” constrói sua dramaturgia densa e perturbadora, envolvendo traições, violência, e toda a sordidez deste nosso mundo urbano contemporâneo movido exclusivamente a dinheiro.
Ah, tudo isso dura três horas, e não as 15h30 da minissérie de Fassbinder. Três horas que fluem com vigor e solidez.
Com direção de Burhan Qurbani e roteiro do próprio diretor em parceria com Martin Behnke, “Berlin Alexanderplatz” é coproduzido por Alemanha, Holanda, França e Canadá. A estreia é nesta quinta, 19/02.