RELEITURA DE “MEU PÉ DE LARANJA LIMA” TEM QUALIDADE E SENSIBILIDADE.

Meu pé de laranjalima

Por Celso Sabadin

O pôster promocional do filme “Meu Pé de Laranja Lima” diz que a história é baseada “no livro mais vendido do Brasil”. Não chequei a informação. Não tenho como afirmar aqui, categoricamente, que a obra de José Mauro de Vasconcelos seja efetivamente o livro mais vendido do Brasil. Mas não importa: de uma forma ou de outra, “Meu Pé de Laranja Lima” está profundamente inserido no inconsciente coletivo do brasileiro. Além do sucesso do livro em si, há ainda a versão cinematográfica de 1970 (dirigida por Aurélio Teixeira) e mais um punhado de versões televisivas.

Assim, é muito bem-vinda esta releitura do diretor Marcos Bernstein (o mesmo de “O Outro Lado da Rua”), que não se preocupa em situar em que época se passa o filme. Porque, na verdade, tanto faz. O importante é vivenciar a difícil infância de Zezé (João Guilherme Ávila), menino do interior de Minas Gerais, cuja imaginação e criatividade exacerbadas não encontram eco, muito menos suporte, nas limitadas concepções de vida de sua família. Zezé encontra, então, duas válvulas de escape: a amizade com o velho Portuga (um dos melhores papéis da carreira de José de Abreu), e o tal pé de laranja lima do título, que se torna uma espécie de “amigo imaginário”.

É a velha briga da realidade contra a ficção, da criatividade contra o pragmatismo, do lirismo da poesia contra a frieza do pensamento cartesiano. Criar é preciso, imaginar é necessário, mas quando a dureza da vida e a aridez da sociedade agem como pressão insuportável contra a liberdade, em algum lugar a panela precisa explodir.

O diretor Bernstein equilibra com precisão os elementos narrativos à sua disposição no filme. Das fantasias de Zezé à violência alcoolizada de seu pai, tudo opera num registro sem excessos, firme e eficiente no sentido de construir o árduo painel do amadurecimento quase forçado do personagem. O resultado é um belo e grande filme, sensível sem ser piegas, e com um acabamento técnico digno de aplausos.

Este Zezé do interior de Minas, intenso e libertário, me fez lembrar um outro menino mineiro que também saiu da literatura para ganhar as telas de cinema: o Maluqinho, de Ziraldo, adaptado por Helvécio Ratton. É como se fossem irmãos, com a diferença que, enquanto Maluquinho percebe que sua “maluquice” na verdade era felicidade, Zezé tem pela frente um caminho muito mais pedregoso até alcançar a maturidade.

São dois belos filmes sobre a beleza da infância.