“RESPIRE” E “LULU”: O CINEMA FRANCÊS APENAS SENDO… FRANCÊS.

Por Celso Sabadin.

Muito se lamenta sobre as desgastadas fórmulas que o cinema norte-americano utiliza para fazer seus filmes, cada vez mais repetitivos, previsíveis e iguais a tudo o que já foi realizado antes. Pessoalmente, meu gosto se sintoniza muito mais com o cinema europeu em geral e francês em particular. Assim, não posso negar nem disfarçar meu lamento em perceber que já faz algum tempo que os franceses – assim como os estadunidenses – também têm se tornado bastante repetitivos e previsíveis em suas fórmulas pré-estabelecidas de fazer cinema.

Duas estreias recentes ratificam este sentimento: “Respire” e “Lulu, Nua e Crua”.  O primeiro, exibido e elogiado na

Semana da Crítica do Festival de Cannes, fala da conturbada e simbiótica relação entre as adolescentes Charlie (Joséphine Japy) e Sarah (Lou de Laage). Charlie é a típica menina comportada e introspectiva que engole em silêncio o conflito de relacionamento pelo qual passa seus pais. Debochada, manipuladora e extrovertida, Sarah é a antítese de Charlie. Na delicada fase da adolescência, o relacionamento que se estabelece entre as duas inseguras jovens percorre caminhos que tendem para a tragédia.

Baseado no livro homônimo, de Anne Sophie Brasme, “Respire” é o segundo longa de Mélanie Laurent, mais conhecida como atriz de filmes como “Trem Noturno para Lisboa” e “Bastardos Inglórios”, entre outros.

Já “Lulu, Nua e Crua” investiga o sentimento de frustração de uma mulher madura, casada e com filhos, que um dia simplesmente resolve não voltar para casa. O que seguramente deve provocar forte empatia com várias espectadoras. E espectadores também, é claro.  O papel título é da ótima Karin Viard, que muita gente pensou mesmo que era muda graças à sua interpretação em “A Família Bélier”. A direção é da islandesa  Sólveig Anspach, falecida no último mês de agosto.

É interessante notar como ambos os filmes trilham por caminhos já abertos e pavimentados (e, por que não, até um pouco esburacados) há muito pelo cinema francês, sem sair da zona de conforto aplaudida há décadas pela crítica internacional.  Ambos focam suas lentes no inesgotável tema das aflições psicológicas, herança indelével da Nouvelle Vague. Se em “Respire” a aflição é o eterno questionamento adolescente, em “Lulu, Nua e Crua” ela passa a ser o total e inevitável desencanto da idade madura. De certa forma, um filme completa o outro.

Ambos são generosos nos closes de seus protagonistas, ao mesmo tempo em que não se furtam em estender ao máximo os tempos – por vezes mortos – de suas cenas. Ambos prezam o silêncio, evitam qualquer tipo de espetacularização e optam pela estética da lentidão que se reveste de uma embalagem supostamente artístico-reflexiva que nem sempre abriga um conteúdo satisfatório. Ambos lançam mão de metáforas de múltiplos significados como que cuidadosamente plantadas para provocar um joguinho do tipo “caça ao tesouro” nas plateias que ao final da sessão se regojizarão ao descobri-las e comentá-las. Em “Respire”, temos a bombinha de asma e o documentário sobre o mundo animal que é um verdadeiro spoiler do final da trama. E em “Lulu” há a eterna cena do mar representando a liberdade, aliada ao momento típico do parque de diversões como simbologia da alegria artificial e fugaz da vida. Ícones, e recursos repetidos à exaustão em dezenas de produções das últimas décadas. Na verdade, com “Respire” e “Lulu”, o cinema francês está apenas sendo… francês. Para o bem e para o mal.

Justiça seja feita, ambos os filmes mantêm ainda a tradição das excelentes interpretações  dos elencos das produções daquele país. Pelo menos isso.