“ROGÉRIO DUARTE, O TROPIKAOSLISTA” É A RADIOGRAFIA DE UMA ÉPOCA.

Por Celso Sabadin.

Sempre tive uma paixão muito grande por documentários sobre os anos 60 e 70 da realidade brasileira. As dezenas de cineastas que produziram filmes sobre este período acabaram se transformando em professores que me ensinaram e me contextualizaram fatos que vivi, mas que se mostravam, na época, acima da minha capacidade infantil e/ou adolescente de compreendê-los com maior discernimento. A ditadura militar, a Bossa Nova, a era dos festivais, o tropicalismo, a revolução de costumes, eu estava lá no meio de tudo isso, mas ainda sem a maturidade necessária para ligar os pontos e compreender o grande quadro social que então se desenhava.

Assim, ver filmes sobre este momento é extremamente gratificante pra mim. Ou, pelo menos, era. Após o golpe de 2016, tomar contato com toda aquela efervescência cultural que agitou o período passou a me soar dolorido. Triste demais perceber hoje que todas aquelas lutas daqueles malucos beleza que ousaram contestar um mecanismo apodrecido parecem ter dado em nada.

O documentário “Rogério Duarte, o Tropikaoslista” vem se juntar a este dolorido painel de lembranças geniais. Dirigido por

José Walter Lima, o filme usa a efeméride dos 50 anos do lançamento do histórico disco “Tropicália” para resgatar a iluminada figura do designer gráfico, músico, poeta e agitador cultural Rogério Duarte. Provavelmente a maioria das pessoas não reconheça o nome, mas certamente muita gente já teve contato com o trabalho de Rogério. Seja através das capas dos principais discos tropicalistas, ou dos cartazes que criou para os filmes “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Idade da Terra” e tatos outros.

“Esse trabalho é uma tentativa de uma retomada da vanguarda artística do cinema brasileiro. Trata-se de um documentário sem as mesmices pachorrentas, cheio de entrevistas. Só quem fala é o protagonista, ou seja, Rogério Duarte”, afirma José Walter Lima. E como fala! Bem humorado, alto astral e com um articulação positiva de levantar os ânimos de qualquer um, Duarte fala de seu “inxílio” (para ele, quem era rico na ditadura ia para o “exílio” na Europa, e quem era pobre fugia para o “inxílio” na Bahia), sobre suas brigas e profunda amizade com Glauber Rocha, sobre como ele criou o movimento Marginália quando percebeu que a Tropicália estava sendo absorvida pelo sistema, sobre o caldeirão cultural daquele período, e de como o câncer foi uma doença que o “curou”.

Através de Duarte, o filme mergulha num verdadeiro túnel do tempo audiovisual, traçando uma radiografia afetiva de um dos momentos mais efusivos e marcantes da nossa cultura. Ou da nossa contracultura.