ROMÂNTICO, “LA BELLE ÉPOQUE” QUESTIONA OS VALORES DA CONTEMPORANEIDADE.

Por Celso Sabadin.

Na era da pós-verdade, uma empresa se especializa em vender fantasias. Por exemplo: você gostaria de tomar um drink com Ernest Hemingway? A empresa arranja a locação, faz toda a cenografia necessária, contrata atores e figurantes, escreve o roteiro, trilha sonora, desenvolve a direção de arte, e proporciona ao cliente – mediante um bom dinheiro, claro – uma noite de bate papo com o famoso escritor. Tudo fake, mas quem liga?

É neste contexto que Victor Drumond (Daniel Auteuil, sempre ótimo), um decadente desenhista de histórias em quadrinhos, pega todas as suas  economias (e um pouco mais) e investe no seu sonho mais delirante: ele quer reviver, em detalhes, um dia especial no distante 1973, no qual ele conheceu e se apaixonou pela bela Marianne (a musa do cinema francês Fanny Ardant). Na verdade, ele até casou-se com ela, mas a crueldade do tempo se encarregou de fazer do casal um triste retrato decadente do que um dia ambos haviam sido. Seria possível reviver a magia dos coloridos anos 70?

Num primeiro momento, “La Belle Époque” até lembra a premissa de “Além da Vida”, de Hirokazu Koreeda, com a diferença aqui que os protagonistas estão vivos. O filme tem uma terna pegada nostálgica – principalmente para quem viveu nos anos 70 – fazendo recordar um período muito especial da história ocidental, no qual ainda parecia que tudo daria certo. A rebeldia da juventude, a revolução de costumes, os cabelos compridos, as minissaias e as calças bocas de sinos sinalizavam a chegada dos ventos de uma mudança que acabou se mostrando apenas uma brisa passageira. Trata-se de um universo em que Victor Drumond, avesso à tecnologia e resistente à velocidade da contemporaneidade, se sente mais à vontade.

Alternando com habilidade o romântico e o dramático, o cômico e o trágico, sem cair nas armadilhas da pieguice e das soluções fáceis, “Belle Époque” é o segundo longa escrito e dirigido por Nicolas Bedos e interpretado por Doria Tillier, sua esposa na vida real, aqui no papel de Margot. O primeiro foi o simpático e eficiente “Monsieur & Madame Adelman – Uma História de Amor do Início ao Fim”, exibido no Brasil.

Bedos não é muito conhecido do público brasileiro, mas é bastante popular na França, onde escreve peças teatrais, roteiros para rádio e TV, e participa de programas de televisão. Além de roteirista e apresentador, ele já havia atuado em “Amor e Turbulência” e “A Datilógrafa”.

“La Belle Époque” ganhou três Cèsar: desenho de produção, atriz coadjuvante (Ardant) e roteiro original.