RUSSO “PRISÃO DOMICILIAR” RETRATA A COVARDIA DO MEDO.

Por Celso Sabadin.

Não, este site e este crítico não têm a menor intenção de “cancelar” nada vindo da Rússia, por causa da invasão à Ucrânia. Mesmo porque, se fôssemos cancelar a arte de países invasores, não poderíamos escrever sobre filmes estadunidenses, ingleses alemães, portugueses, espanhóis e franceses, entre outros, o que seria bem desagradável.

Assim, vale (muito) o registro e a indicação do russo “Prisão Domiciliar”, disponível na plataforma www.cinemavirtual.com.br desde a última quinta-feira, 21/04.

O roteiro de Maria Ogneva e do próprio diretor, o premiado Aleksey German Jr., mostra o calvário vivido por Davi (Merab Ninidze, ótimo), um professor em prisão domiciliar, aguardando julgamento. Ele foi acusado de desviar dinheiro público da universidade onde leciona, mas se diz inocente, alegando que o desvio foi feito pelo próprio prefeito do lugar. O caso é marcado por muitas convicções e poucas provas.

Sem sair de casa, Davi recebe várias visitas – de sua advogada, do inspetor de polícia, de uma médica, da ex-esposa, de uma vizinha, etc. – que aos poucos configuram o verdadeiro panorama da situação: obviamente, o prefeito é o culpado. E mais obviamente ainda, isso não pode ser dito. Toda a dramaturgia do filme apoia-se então sobre a resiliência (para usar a palavrinha da moda), do protagonista, disposto a tudo para provar sua inocência, mas sem a companhia de quase ninguém que o apoie, mesmo sabendo da culpa do prefeito.

O desespero que o silêncio dos coniventes e a covardia da comunidade provocam nos remete imediatamente à atual situação brasileira, na qual acontecem as mais cruéis barbaridades e todos ficam (ficamos) em uma prisão domiciliar voluntária, escondidos na patética segurança das nossas redes sociais.

Com direção sóbria e segura, “Prisão Domiciliar” foi selecionado para a prestigiosa mostra  Un Certain Regard, em Cannes.