“SAMBA” TRATA COM LEVEZA O DRAMA DA IMIGRAÇÃO.

Por Celso Sabadin

Se, como dizem, uma imagem vale mais que mil palavras, quanto valeria um bom plano sequência? A primeira cena de “Samba” vale por muitas palavras: a câmera parte de uma luxuosa (e um tanto cafona, diga-se) festa de casamento, percorre o corredor do salão de festas, vai até a agitada cozinha onde homens atribulados preparam os comes e bebes e, sem cortes, busca os trabalhadores que lavam as louças e as panelas. É só neste último momento que vemos pessoas negras em cena. Tanto na festa como nos preparativos, só há brancos. Está traçado o cenário inicial de um filme que vai discutir uma das questões mais importantes e urgentes da Europa em geral e da França em particular: a imigração.

A proposta, contudo, é dar um tratamento mais leve e romântico a este tema tão pesado. A dupla de diretores formada por Olivier Nakache e Eric Toledano é a mesma do enorme sucesso “Intocáveis”, onde eles também tratam um tema denso (a dependência causada pela deficiência física) com humor e leveza. Aqui, eles partem do livro de Delphine Coulain para contar a história do imigrante africano Samba (Omar Sy, o astro de “Intocáveis”) e a agente social Alice (Charlotte Gainsbourg). Ele, mesmo já morando há vários anos em Paris, tem problemas de documentação e pode ser deportado a qualquer momento. Ela, francesa da gema, tem um segredo em seu passado. Sim, ambos se apaixonam, e não parece ser nenhum “spoiler” dizer isso na crítica, principalmente para o cinéfilo mais antenado.

Mesmo porque não residem sobre o romance dos protagonistas  os maiores méritos do filme. Ainda que sem buscar uma profundidade maior, “Samba” é eficiente ao retratar o difícil universo do imigrante – seja legal ou refugiado – em sua tentativa de sobreviver com alguma dignidade na capital francesa. Um dos melhores momentos do filme, inclusive, mostra a desesperadora incomunicabilidade de imigrantes de vários países, em seus vários idiomas, tentando um lugar ao sol na babel em que se transforma o posto dos agentes da imigração.

Por vezes, “Samba” diverge em subtemas que o fazem perder o ritmo, e é inegável que – como já havia acontecido em “Intocáveis – os diretores visam claramente o grande público ao construir uma narrativa das mais tradicionais e esquemáticos, com direito até àquele famoso “clipezinho musical ” que geralmente rola aos 40 minutos das convencionais comédias românticas, desde a época de Molly Ringwald.   Porém, relevando-se estes pequenos deslizes, é possível encontrar em “Samba” uma interessante discussão sobre colonização, identidades culturais, suas misturas e perdas. “A partir de hoje você vai se vestir como um europeu, com terno e pasta da couro. Pegue uma revista qualquer e a coloque debaixo do braço”, diz o tio de Samba ao sobrinho que precisa ser visto como parisiense para tentar sobreviver na cidade grande.

Para nós, brasileiros, há também um subtexto dos mais representativos, através de um personagem que altera toda a sua identidade cultural porque na França, segundo ele, para se conseguir emprego ou mulheres é bem mais fácil sendo brasileiro. Isso sem contar a trilha sonora, que inclui músicas de Gilberto Gil e Jorge Benjor.

E para os mais cinéfilos, não deixa de ser divertido o momento em que Alice diz ser uma viciada em sexo. A afirmação soa irônica na boca da atriz que protagonizou “Ninfomaníaca”.