“SANGUE DO MEU SANGUE”, SEJA DO CÁLICE, DO SOFRIMENTO, OU DOS VAMPIROS.

Por Celso Sabadin.

Quando a religião – qualquer uma delas – lança mão da ignorância e da intolerância para impor os seus preceitos (o que, diga-se, é mais do que costumeiro), sofrem todos aqueles que ingenuamente depositaram a sua fé nos que se dizem representantes de Deus, mas que na verdade só representam mesmo os poderosos. Da mesma forma que um vampiro suga o sangue de suas vítimas, o líder religioso lhes suga as almas. “Sangue do Meu Sangue”, de Marco Bellocchio (o mesmo de “Vincere”) trabalha sobre esta analogia. E várias outras.

Com roteiro do próprio diretor, o mote propulsor da trama é o sofrimento de uma mãe religiosa (que jamais aparece) desesperada pelo fato do seu filho não poder ser enterrado num cemitério católico. Motivo: o rapaz cometeu suicídio após ter mantido relações sexuais com uma freira. Os mesmos donos da verdade absoluta que determinaram que suicidas não vão para o céu, com a mesma prepotência, declaram que existe uma saída para o caso: se a moça admitir que está possuída pelo demônio, o suicida será perdoado. Seguem-se então as mais bárbaras arbitrariedades no sentido de fazer a pecadora se confessar possuída. Mas este é apenas o início de uma história que, entre variados e ricos vieses, mostrará que são bem poucas as diferenças – talvez nenhuma – entre o poder exercido falsamente em nome de Deus e o manifestado claramente em nome da Máfia. Ou dos demônios, ou dos vampiros, ou dos padres, que talvez sejam a mesma coisa. Afinal, todos eles veneram o sangue em seus rituais.

Bellochio não é um cineasta de linhas retas e leituras simples. Não se preocupa com concessões comerciais e invariavelmente faz um cinema fortalecido em suas ideias e simbologias, onde nada é colocado na tela por acaso. Incluindo o sobrenome do protagonista – Mai – palavra que em italiano pode ser compreendida como “nunca” ou como “sempre’, dependendo do ângulo abordado. Da mesma fora que as histórias dos mais diferentes tipos de abuso mostradas no filme acontecem invariavelmente do tempo. Sempre.

Infelizmente todo o material de divulgação relacionado ao filme – da mais curta sinopse ao trailer – entrega fatos e surpresas que seriam bem mais impactantes para o espectador caso não fossem reveladas com antecedência. É um triste sinal da euforia dos nossos tempos, que pede pressa em tudo. Pois afinal, é o tempo – da maneira como ele passa fisicamente, mas se mantém inalterado em sua essência – um dos maiores protagonistas de “Sangue do Meu Sangue”.Emoldurado por uma belíssima fotografia que remete aos quadros de Rembrandt, o filme venceu o Prêmio da Crítica no Festival de Veneza, e estreou nesta quinta, 1º de dezembro.