“SAUDOSA MALOCA”, UM HONESTO E CATIVANTE RETRATO DO CONTEXTO QUE RODEIA A MÚSICA DE ADONIRAN.

Por Gustavo Meca

O filme do diretor Pedro Serrano vai na contramão das cinebiografias atuais, que tentam concentrar todas as informações possíveis da carreira do personagem numa abordagem genérica, não dando espaço para trabalhar outros apelos mais expressivos que a vida do artista potencializa.

A crucial diferença é que “Saudosa Maloca” se apoia no contexto específico da música de Adoniran Barbosa (interpretado por Paulo Miklos) e, a partir dela, desenvolve outros momentos relacionados. A música relata a história de Joca (Gustavo Machado) e Mato Grosso (Gero Camilo), amigos de Adoniran na maloca e nos bares de samba. Ambos são personagens muito divertidos, com ótima presença de cena e piadas construídas pela fala e pelo corpo. Eles são o fio condutor do filme, concentrando todo o motor de simpatia com aquele momento singelo de São Paulo.

Em contrapartida, Serrano aborda aspectos mais críticos sobre o processo de derrubada da maloca para construções de empreendimentos privados. É uma união entre comédia e tragédia muito bem posta, com traços melodramáticos e cenas extremamente impactantes pelo trabalho sonoro (um iminente som grave de demolição que perpetua durante todo o filme, principalmente nos créditos iniciais).

Esse ponto de abordagem do filme, junto aos trabalhos técnicos de fotografia, caracterização dos personagens e montagem alternada (entre presente e passado), resulta em um sentimento de fantasia frente aos fatos históricos que a música tem como base. Isso é positivo nessa ideia de não ser convencional como toda biografia, assumindo sensações de uma jornada narrativa intensa e honesta, diferente do engessado relato realista que a história de Adoniran poderia mostrar. A própria maneira como Adoniran evoca o tempo passado através de seus diálogos do presente exemplifica isso. O cantor relata sua vida para o novo garçom do mesmo bar da maloca, que também passa pelos mesmos problemas de moradia, deixando entusiasmado com a vida boêmia que os três amigos compartilhavam. É como se estivéssemos realmente indo para um lugar aconchegante, permitindo reflexão e apreciação de um momento em que se podia viver de modos diferentes, mas precisando vencer os mesmos obstáculos. Essa intenção do Serrano fica muito clara e engrandece o filme.

Mesmo que com algumas limitações de encenação e de ritmo, “Saudosa Maloca” é um cinema de novas ideias, que não se prende ao genérico e é corajoso em traçar caminhos excêntricos para a figura emblemática de Adoniran Barbosa.