“SEGREDOS DO PUTUMAYO”, O HORROR QUE NUNCA TERMINA.
Por Celso Sabadin.
Cada vez se compreende melhor o fato do gênero documentário ser o que mais cresce no mundo, entre os consumidores de audiovisual. Não poderia ser diferente: em termos de criatividade e emoção, as histórias da vida real superam, de longe, as tramas ficcionalizadas.
Imagine, por exemplo, a história de um diplomata irlandês, no começo do século 20, que presencia as atrocidades que o regime colonialista belga comete contra o Congo, viaja até a Amazônia, onde testemunha outros genocídios contra os indígenas, volta ao Reino Unido, escreve um livro denunciando o que viu, é difamado como pervertido sexual, banido, prova sua inocência, e dá a volta por cima como herói.
Certamente a crítica cinematográfica classificaria tal saga como “inverossímil”, mas ela existiu: esta á a história real de Roger Casement, registrada agora no documentário brasileiro “Segredos de Putumayo”.
Com farto e impressionante material de arquivo, o longa
se baseia no diário escrito em 1910 por Casement, que além de ter um belo texto, também fotografou suas expedições. Ou seja, material de qualidade não faltou ao documentaria Aurélio Michiles, o mesmo do ótimo “O Cineasta da Selva”. Mas o cineasta preferiu não apenas se debruçar atentamente à produção de Casement, como partiu para a sua própria expedição, refazendo o caminho do irlandês pela Amazônia, onde entrevistou descendentes diretos dos massacres indígenas.
A principal denúncia de Casement recai sobre a Arana, uma empresa britânica de exploração de borracha que escravizava e torturava os indígenas com requintes de crueldade. Os caminhos do século 20, registrados por Casement, se cruzam com os da nossa contemporaneidade, documentados por Michiles, para comprovar – em dramático, trágico e belíssimo preto e branco – que pouco ou quase nada mudou para os povos originários.
Seja Arana, seja qualquer outra razão social, seja uma empresa britânica ou um governo brasileiro a serviço de empresas das mais variadas nacionalidades, a selvageria do capitalismo predatório prossegue impune e devastadora, em todos os tempos.
Com roteiro de André Finotti, Danilo Gullane e do próprio diretor, “Segredos do Putumayo” traz depoimentos do historiador Angus Mitchell, do escritor Milton Hatoum e de membros dos povos Uitoto, Bora, Okaina e Muinames de La Chorrera na Colômbia, aldeia que foi o epicentro deste criminoso empreendimento.
A (ótima) locução é do irlandês Stephen Rea, ator conhecido pelos filmes “Traídos pelo Desejo”, “V- Vingança” e “Michael Collins”, entre outros.
O filme entrou em cartaz nos cinemas no início deste mês.

