“SENHORES DO CRIME” ENFOCA A MARGINALIDADE COM CHARME BRITÂNICO

Depois do ótimo “Marcas da Violência”, o diretor canadense David Cronemberg e o ator novaiorquino (filho de pai dinamarquês) Viggo Mortensen voltam novamente a trabalhar juntos. E outra vez com excelentes resultados. Em “Senhores do Crime”, Cronemberg troca o árido interior norte-americano de seu filme anterior pela nublada e chuvosa Londres para contar mais uma vez uma intrigante trama de traição, vingança e violência. Mas com charme, e fineza cinematográfica.

A história mostra Anna (a inglesa Naomi Watts, de “King Kong”), uma enfermeira que se enternece com o nascimento de uma garotinha órfã, no hospital onde trabalha. Ela presencia o parto da menina e a conseqüente morte da mãe – uma adolescente viciada em drogas – e não consegue manter o distanciamento profissional nesta situação tão trágica. Anna se envolve pelos fatos, e sai solitária em busca de informações que possam localizar algum parente do bebê. Um diário escrito em russo encontrado na bolsa da mãe morta fará a ponte entre a bem intencionada enfermeira e o implacável esquema criminoso da máfia russa sediada na capital inglesa.

“Senhores do Crime” contrapõe o homem comum (no caso, a mulher), frágil, isolado e solitário, ao poder quase ilimitado de organizações criminosas que agem não mais à margem da sociedade, mas livremente dentro dela. O perigo mora ao lado, e o poder público que deveria se manifestar pela lei e pela ordem parece cada vez mais um ideal dos mais distantes a ser alcançado.
O tema – explosivo – é tratado com elegância pelo competente Cronemberg, que vem ultimamente abandonando seu cinema de aberrações construído pela fama de filmes como “A Mosca” e “Gêmeos – Mórbida Semelhança”, só para citar dois exemplos. Aqui, os personagens são contidos, fleugmaticamente britânicos. Quase gélidos. Uma nuvem de decepção e tristeza parece pairar sobre todos, e cada um deles, em seu devido tempo, terá sua história desvendada pelo ótimo roteiro. A cidade de Londres também assume um papel importante na criação deste clima, graças também à bela luz encontrada pelo veterano diretor de fotografia polonês Peter Suschitzky, habitual colaborador de Cronemberg e fotógrafo, entre outros, de “O Império Contra Ataca”.

Esbarrando nas tradições clássicas do film noir, “Senhores do Crime” conta ainda com um excelente e multinacional elenco de peso, que além de Naomi e Mortensen (indicado ao Oscar de melhor ator por este filme), traz também papéis de destaque para o alemão Armin Mueler-Stahl (de “Avalon”) e para o francês Vincent Cassel, que estará no próximo filme de Heitor Dhalia.
A lamentar somente o título em português. “Senhores do Crime”, além de sugerir apenas mais um filme comercial de ação e pancadaria (o que está longe de ser o caso), perde a chance de traduzir o poético “Eastern Promises”, algo como “promessas do leste”.