SENSORIAL E ONÍRICO “CEMITÉRIO DO ESPLENDOR” ENCANTA EM SUA DIFÍCIL ORIENTALIDADE.

Por Celso Sabadin.

Quando leio o nome Apichatpong Weerasethakul fico aliviado de não estar fazendo esta matéria no rádio ou na TV. O cineasta tailandês, formado em arquitetura e artes visuais, ganhou notoriedade mundial ao vencer a Palma de Ouro em 2010 com o misterioso “Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”. Seu trabalho mais recente, “Cemitério do Esplendor”, retomará o tema de vidas passadas, de forma menos misteriosa e cifrada que “Tio Boonmee”, mas ainda assim bastante intrigante e emblemática.

 

Tudo se passa numa escola transformada em hospital onde vários soldados estão internados, vitimados por um sono profundo. Aparelhos “já testados em soldados americanos vindos do Afeganistão”, conforme diz um personagem, são instalados no lugar, com o objetivo de reduzir-lhes os pesadelos, em busca de um sono mais tranquilo. Enquanto isso, Keng, uma das voluntárias da escola/hospital, perscruta os sonhos e vidas anteriores dos internos através de sua altamente desenvolvida mediunidade, que já foi sondada até pelo FBI. Jenjira, irmã de Keng, se une a ela como voluntária, onde travará contato direto com deusas tailandesas encarnadas. Tá achando estranho? É porque você ainda não viu o filme, que tem muitas outras surpresas e estranhamentos.

“Cemitério do Esplendor” trata do sobrenatural com a mais tranquila naturalidade. Sem nenhum tipo de efeito especial, trilha arrebatadora ou qualquer outro tipo de espetacularização. O filme flui com uma impressionante serenidade, em longos planos de câmera estática, e sempre evocando um viés de filosofia oriental de difícil compreensão para a nossa limitada ocidentalidade. Isso ao mesmo tempo em que ainda consegue destilar algumas doses de humor, e abordar diferenciações de diversos sotaques tailandeses, tema absolutamente incompreensível para quem não domina a língua. Na trama, são todos iguais. Ninguém ganha close.

O clima predominante é de paz, uma paz que persiste serenamente mesmo diante de todos os estranhamentos que o roteiro propõe e a direção sublinha.

Em determinada cena, a tailandesa Jenjira fala para seu marido norte-americano Richard: “Você vem de fora, não entende”. A frase pode ser estendida a todo o público ocidental que “vem de fora”. “Cemitério do Esplendor” é de difícil compreensão lógica e cartesiana, mas de um profundo encantamento irracionalmente inebriante.

É o tipo do filme que entra naquela onírica categoria de “não entendi, mas adorei”.

A estreia foi em 17 de março.