“SOBREVIVENTES”, O FORTE FILME TESTAMENTO DE BARAHONA.

Por Celso Sabadin.

No século 19, em algum lugar do Oceano Atlântico (ou em “alhures”, como diz o letreiro), um grupo de náufragos em desespero – brasileiros e portugueses – chega à terra firme. Há um padre, um negro escravizado, um fidalgo, uma senhora de engenho… mas…nada disso importa mais. Agora, todos têm apenas uma única condição: a de náufragos em desespero. As hierarquias, as convenções sociais, as leis dos homens, nada mais tem valor diante da angústia da situação. Vale quem sabe pescar, quem saber fazer fogo, quem tem equilíbrio.

Por mais impossível que possa parecer, estas pessoas terão de se despir dos velhos conceitos e preconceitos arraigados, se quiserem sobreviver. A tarefa não é nada fácil. Se é que ela é possível.

Coproduzido por Brasil e Portugal, “Sobreviventes” é o último filme de José Barahona, falecido em novembro do ano passado. Além da direção, ele é o autor da história original e corroteirista, em parceria com José Eduardo Agualusa.

O longa se transforma, assim, num vigoroso e digno testamento de Barahona, que lamentava que o tema da escravatura fosse “muitas vezes esquecido, escondido atrás de uma ‘gloriosa’ epopeia ultramarina”. Tendo em vista tal desconstrução, o cineasta questionava “como é possível a harmonia e a instauração de uma sociedade igualitária e democrática depois de um passado de tanta violência? Não sabemos até hoje, mas ela é certamente desejável”.

Emoldurado por uma belíssima fotografia em preto e branco de Hugo Azevedo, “Sobreviventes” traz mais perguntas que respostas, mais inquietações que caminhos, ainda que por vezes tangencie por instantes de utopia que logo se revelam impossibilitadas pelas profundas raízes de diferenças e ódios que permeiam nossa colonização. Infelizmente, “Sobreviventes” não é um filme sobre o nosso passado. Muito pelo contrário.

O elenco conta com Miguel Damião, Allex Miranda, Anabela Moreira, Paulo Azevedo, Roberto Bomtempo e Zia Soares. A trilha sonora original assinada por Philippe Seabra, vocalista e guitarrista da banda Plebe Rude, traz a voz de Milton Nascimento.

O longa teve sua estreia mundial no IndieLisboa, passou pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e integrou a programação do Festival de Cinema Brasileiro de Paris.

A estreia em cinemas brasileiros é nesta quinta, 24 de abril.

 

Quem dirigiu

A trajetória de José Barahona inclui documentários e ficções que transitam entre a investigação histórica e questões pós-coloniais. Formado em cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, ele também estudou em Cuba (EICTV) e Nova Iorque (New York Film Academy). Seu primeiro longa de ficção, “Estive em Lisboa e Lembrei de Você” (2016), adaptado do romance de Luiz Ruffato, percorreu festivais internacionais e foi lançado comercialmente no Brasil e em Portugal. Seu documentário “Nheengatu” (2020), rodado na Amazônia, recebeu prêmios como Melhor Documentário no Festival Caminhos do Cinema Português e no CineAmazônia. Além de cineasta, Barahona foi produtor e programador da Mostra Cinema Português Contemporâneo no Brasil e publicou ensaios sobre cinema no jornal Público. Faleceu em novembro de 2024, aos 55 anos, em Lisboa.