“SOUNDTRACK” E O GELO A SER DERRETIDO NAS RELAÇÕES HUMANAS.

por Celso Sabadin.

Gosto de filmes que buscam os limites. “Soundtrack” é um deles. Apenas cinco atores em cena e uma única ambientação. Ambientação, diga-se, também no limite: uma estação de pesquisas situada numa região inospitamente congelante. Um constante clima de mistério e suspense faz com que “Soundtrack” dialogue de perto com “O Enigma de Outro Mundo”, de John Carpenter, mas aqui a pegada é outra, mais para o psicológico que para o terror. O horror aqui é outro: o medo de passar a vida em branco.

A aridez gelada desta base de pesquisas científicas é quebrada pela presença de Cris (Selton Mello), um artista brasileiro que conseguiu permissão para ali desenvolver um ensaio que mesclará fotografias e trilhas sonoras. Por mais que tente ser brasileiramente cordial, Cris é recebido com hostilidade por dois dos quatro cientistas que lá se encontram: o britânico Mark (Ralph Ineson), e o chinês Huang (Thomas Chaanhing). A presença de outro brasileiro, Cao (Seu Jorge), ameniza a situação, mas não impede que Cris mergulhe em seu universo de incertezas.

O roteiro nos abre aos poucos – bem aos poucos, e nunca completamente – as histórias de vida daqueles homens radicalmente isolados. São aspirações, frustrações, medos e reflexões que lentamente tentam quebrar a espessa camada de gelo que simbolicamente se solidificou entre os personagens no decorrer dos anos. A brevidade da vida diante da imensidão e da complexidade dos problemas enfrentados  levanta a inquietante questão do reconhecimento, do tal “deixar sua marca” no planeta, independente se alguém vai notá-la ou não. Nem quando. Tudo isso emoldurado por um brilhante trabalho de som que merece ser conferido com os ouvidos bem abertos.

 

A direção é o roteiro são assinados por uma dupla que se autodenomina “300 ml”. Se já não está fácil divulgar o bom cinema neste país que tem um aparelho de televisão em cada esquina invariavelmente sintonizado em algum lixo cultural, imagina então divulgar um ótimo trabalho de roteiro de direção como este onde seus autores preferem se identificar apenas com uma marca, e não com seus próprios nomes. É pena. Afinal, por mais que o cinema seja uma arte coletiva, particularmente eu gostaria de parabenizar o “300 ml” com seus nomes de gente.

“Soundtrack”, um dos raros filmes na história do cinema onde não existe a presença de sequer uma mulher, estreia nesta quinta, 6/07.