“SPOTLIGHT” DÁ SHOW DE DIREÇÃO AO RETRATAR UMA ÉPOCA EM QUE O JORNALISMO AINDA EXISTIA.

Por Celso Sabadin.

Uma das perguntas mais frequentes dos meus alunos é “como se identifica exatamente quando um filme é bem dirigido?”. Obviamente não é possível responder a esta pergunta em poucos minutos, mas a primeira “medida” que se tem para avaliar a qualidade de uma direção cinematográfica é o nosso próprio relógio. Quanto menos vezes nos preocupamos com a existência do relógio, durante um filme, maior tende a ser a sua qualidade da direção. Da próxima vez que me fizerem esta pergunta, vou acrescentar: “E assistam Spotlight”.

A partir de acontecimentos reais – e põe reais nisso – “Spotlight” conta a história de um grupo de jornalistas investigativos do jornal “The Boston Globe” que, em 2001, começou a pesquisar sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes por parte da igreja católica. Como o fato já tem praticamente 15 anos (uma pequena eternidade para os padrões atuais), é preciso esclarecer duas coisas. A primeira é que o tema, na época, não era tão difundido como hoje. E o segundo é que existia, antigamente, este tal jornalismo investigativo, composto por profissionais que, por incrível que pareça nos dias atuais, preocupavam-se em levantar, pesquisar, investigar e comprovar histórias verídicas.  O Jornalismo investigativo fazia parte de uma profissão que atualmente também já morreu chamada Jornalismo, logo o filme traz consigo um interessante viés histórico.

Mas, voltando à questão da direção cinematográfica, “Spotight” é um ótimo exemplo de como extrair uma instigante obra audiovisual a partir de um roteiro que tinha tudo para ser visualmente árido. São 120 minutos de diálogos incessantes envolvendo vários nomes, fatos e datas. Praticamente não há respiro. Muito menos cenas de ação, nem românticas, praticamente nenhuma menção à vida pessoal dos protagonistas, nenhum beijo, nenhum plano bucólico para descansar as vistas e – pasmem senhoras e senhores – nenhuma cena de perseguição de automóveis e nenhum tiro, o que deve ser inédito na história do cinema produzido nos Estados Unidos. E mesmo assim acompanha-se a trama na beira da poltrona, bebendo-se deliciosamente cada avanço na investigação, cada mistério, cada revelação, cada olhar do (ótimo) elenco (tanto principal como coadjuvante), cada cena.

Afogado em palavras, o diretor Thomas McCarthy comanda uma eficiente mise-em-scene de riquíssimos posicionamentos de câmera, belos enquadramentos, uma fluida movimentação de atores e figurantes, além de trabalhar com uma vasta profusão de atraentes cenários e locações. E o mais importante: todos estes elementos cênicos/visuais se colocam sempre a serviço da trama, e nunca ao contrário. Repare, por exemplo, na importância que as presenças físicas das igrejas de Boston vão ganhando na medida em que os jornalistas descobrem o peso da instituição Igreja em todo o escândalo. Tudo cortado e editado de maneira a fazer com que os 120 minutos de filme tenham um excelente ritmo narrativo, jamais arrastado, e tampouco inutilmente frenético. Quem poderia supor que um trabalho desta qualidade poderia sair das mesmas mãos de quem dirigiu o fraco “Trocando os Pés”?

A única ressalva ao filme é a incurável mania norte-americana de acreditar cegamente que eles são pioneiros em tudo. Quem vê o filme sai da projeção com a ideia que nunca antes na história deste planeta alguém tivesse denunciado o abuso sexual por parte de padres.  Enfim, a chamada “coisa de americano”.

Como não poderia deixar de ser, “Spotlight” tece pesadas críticas contra a igreja católica. Muito justo. Só fica a dúvida se a indústria norte-americana teria a mesma coragem e a mesma imparcialidade em bancar um filme que criticasse na mesma proporção os lideres religiosos judeus. Fica o desafio.