STEVE CARELL, UM “MANCATCHER” EM “FOXCATCHER”.

por Celso Sabadin.

Dois pontos chamam a atenção em “Foxcatcher”: o inusitado da história e a forma como ela é conduzida pelo diretor Bennet Miller, o mesmo do ótimo “Capote” e do não tão ótimo “O Homem que Mudou o Jogo”. Mesmo porque quem poderia dizer que os bastidores de um esporte tão, digamos, esquisito, como a luta greco-romana poderia proporcionar uma trama tão surpreendente. A inexpressividade popular do tema, inclusive, torna seu subtítulo brasileiro “Uma História que Chocou o Mundo” um pouco otimista demais, posto que poucas pessoas realmente tomaram conhecimento dos fatos. Que dirá, então, o “mundo”. O que é ótimo para o filme, pois assim se preserva o inesperado.

A partir de acontecimentos reais, o roteiro fala de dois irmãos campeões de luta greco-romana: Mark (Channing Tatum) e David Schultz (Mark Ruffalo). Treinado por David, Mark é um solitário, sisudo e introspectivo medalhista olímpico, enquanto seu irmão mais velho é mais descontraído, demonstra mais equilíbrio, e coloca a família acima do esporte. A rotina dos irmãos é total e irreversivelmente abalada por um estranho convite: o multimilionário John du Pont (Steve Carell) deseja patrocinar a carreira de ambos. Mais que apenas um apoio econômico, ele monta em sua mansão todo um moderníssimo centro de treinamento e sua própria equipe – a Foxcatcher – da qual ele, obviamente, será o proprietário, administrador, treinador, líder e senhor absoluto.

Inicia-se assim um estranhíssimo relacionamento fomentado pelas antigas leis de capital e trabalho e pelos mais antigos ainda traumas de opressão familiar. Du Pont, ao mesmo tempo em que detém um inesgotável poder econômico, é um poço profundo de problemas psicológicos, que incluem inseguranças, medos, complexo de inferioridade, e uma indisfarçável dominação materna. Mais que treinar Mark, ele quer possuí-lo, dominá-lo, comprá-lo, torná-lo a expiação de suas loucuras.

Não por acaso, a imensa propriedade de Du Pont funcionava, décadas atrás, como um centro de caça à raposa (foxcatcher), aquele bizarro e cruel “esporte” onde endinheirados vestiam roupas de equitação e saíam com seus belos cavalos à caça de uma desesperada raposa, pelo simples prazer de caçar e matar. Como a atividade hoje é vista como politicamente incorreta, os endinheirados atuais desenvolveram várias outras formas de perseguir e humilhar suas caças.  É o que se vê no filme: uma caçada humana patrocinada pelo poder do acúmulo de dinheiro.

Aliás, a humilhação empreendida pelos detentores do poder (não necessariamente econômico) é também o tema de outro belo filme da temporada: “Whiplash”.

Muito tem se falado de uma suposta soberba atuação de Steve Carell em “Foxcatcher”. Acredito que seja uma meia verdade, provocada muito mais pelo estranhamento de vermos num papel dramático um ator que nos acostumamos a ver em papeis cômicos, que propriamente pela excelência de sua atuação. Mesmo porque sempre foi possível entrever o talento dramático de Carell até em personagens menos desenvolvidos de filmes menos expressivos. Parece que as peripécias formais têm impressionado muito mais boa parte do público e da crítica que o próprio conteúdo de cada filme. Como os “planos-sequência” de “Birdman” e as perspectivas de “Grande Hotel Budapeste”, o nariz falso de Steve Carell em “Foxcatcher” é mais um maneirismo formal que parece se sobrepor às grandes e verdadeiras qualidades realmente expostas em cada um destes bons filmes. Faz parte do show. Não é surpresa Carell estar ótimo. Ele sempre é. E aqui vem acompanhado de outras grandes interpretações de Channing Tatum e Mark Ruffalo, o que ajuda a ratificar o talento de Bennet Miller na direção de atores. Miller que, por sinal, ganhou o prêmio de Direção em Cannes.

Com um prêmio destes nas mãos, quem precisa de Oscar?