SUPERMERCADO CAPITALISTA E CHINA COMUNISTA SÃO DESTAQUES DO “É TUDO VERDADE”.

Por Celso Sabadin.

Dois documentários brasileiros bem diferentes entre si, abordando dois temas dos mais interessantes trabalhados de maneiras praticamente opostas ratificam, esta semana, a qualidade e a criatividade da produção documental brasileira: “Meu Querido Supermercado” e “A Ponte de Bambu”. Ambos fazem parte da programação do 25º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, e poderão ser acessados pela plataforma digital Looke.

Primeiro longa metragem de Tali Yankelevich, “Meu Querido Supermercado” é uma afetiva incursão pelo cotidiano e pelos bastidores de uma das instituições mais conhecidas por todos os habitantes do mundo capitalista: o supermercado. Com habilidade narrativa e criatividade, a diretora prova que é possível extrair poesia e humanidade mesmo dos ambientes mais assépticos.

Por entre as luzes frias e a agoniante organização racional/consumista de um grande e estéril supermercado, Yankelevich consegue costurar personagens encantadores e suas fascinantes micro histórias de vida.

Há o atendente da seção de pães que busca através dos livros “montar o quebra cabeças da verdade”, o caixa que confessa que sua aparência tranquila apenas esconde fervilhantes inquietações internas, o balconista que mergulha no universo de seu personagem de anime favorito, a monitora de segurança que sempre monitora a própria filha, também funcionária do lugar… Tudo com os contrapontos de uma animada faxineira que canta o dia inteiro enquanto trabalha. O filme opta por não enfocar patrões, nem fregueses: são os funcionários que compõem a alma (eventualmente desencarnada, como será visto) da grande caixa de plástico e concreto erguida para o louvor do deus consumo.

Se “Meu Querido Supermercado” é a representação do microcosmo confinada em menos de uma dúzia de protagonistas, algumas centenas de metros quadrados e limitada a poucos dias no tempo, “A Ponte de Bambu” é o seu exato oposto: aqui, o mundo se apresenta macro, através de uma saga familiar que perpassa mais de seis décadas, bilhões de habitantes, e milhares de quilômetros.

 

Com direção de Marcelo Machado, “A Ponte de Bambu” documenta a trajetória de um casal que em 1958 deixa Jundiaí, no interior paulista, para construir uma vida radicalmente diferente em Pequim (ou Beijing, como preferem alguns). Entre idas e vindas, prisões realizadas pela ditadura militar brasileira, e várias convulsões políticas, o casal Martins (mais as duas filhas nascidas na China) se transformaram em testemunhas oculares e sensórias da história, participando ativamente de importantes momentos do século 20, como a Revolução Cultural de Mao Tse Tung e o Massacre da Praça Vermelha. Jayme Martins, inclusive, atuou vários anos como correspondente do Grupo Estado.

Com vasto material iconográfico colecionado durante décadas, aliado a transparentes e emotivos depoimentos pessoais, “Ponte de Bambu” narra com eficiência esta saga familiar única que mistura reflexões políticas a desdobramentos dignos de grandes aventuras de ficção. Destaque para uma das cenas finais (não é spoiler), quando os Martins – agora de volta ao Brasil – são questionados se regressariam hoje para a China, e todos, mais que depressa, se mostram animadíssimos com a ideia de abandonar este arremedo de país que nos tornamos após a tomada de posse do atual governo.

“Meu Querido Supermercado” terá exibições dia 24/09, às 21h; e 25/09, às 15h – esta seguida de debate, às 17h, com a presença da diretora. Já “A Ponte de Bambu”, terá sessões no dia 27/09, às 21h; e 28/09, às 15h – também seguida de debate, às 17h. Ambos debates serão mediados e terão duração de 45 minutos cada.