‘TERREMOTO” À NORUEGUESA.

Por Celso Sabadin.

Desde que a facilidade de acesso à tecnologia digital democratizou os filmes fundamentados na excelência dos efeitos especiais, os Estados Unidos deixaram de ser os monopolistas das grandes produções de ação. Se décadas atrás era quase impensável que outro país que não os EUA tivesse acesso aos milhões de dólares necessários para produzir algo como “Terremoto” (1974), por exemplo, hoje não há mais estranhamento no fato de uma nação de menor tradição no gênero se aventurar na mesma seara.

Assim, torna-se no mínimo curiosa a incursão da Noruega nesta versão século 21 de seu “Terremoto”. O ponto de partida é bem similar ao dos filmes-catástrofes que nos acostumamos a ver: um personagem solitário, já traumatizado por uma tragédia anterior, tenta avisar a todos que uma nova catástrofe pode se repetir, mas seu histórico de desequilíbrio o desacredita. Junte-se a isso a habitual dose de descaso das autoridades – outra narrativa recorrente do gênero – e está montado o cenário para que aconteça o que o título promete. Foi para isso, afinal, que o público pagou pra entrar no cinema.

Neste quesito – o do terremoto propriamente dito – os efeitos especiais e a construção dramática das cenas que o envolvem não decepcionam. Ponto para a Noruega.

Contudo, no desenvolvimento da trajetória do herói, o filme trafega na contramão do usual. E senta que lá vem spoilers! E muitos. Aquele que, teoricamente, deveria ser o protagonista salvador que comanda a trama acaba se mostrando mais catastrófico que a própria catástrofe, pois é ele quem leva a própria filha e a nova amiga para – literalmente – o epicentro da tragédia, local que elas sequer estariam sem a intervenção do “herói”. E tudo com o objetivo de salvar a esposa, o que também não acontece. Sua tentativa de alertar o maior número de pessoas para a iminência da tragédia tampouco dá certo. Isso sem falar na impensável atitude do centro de monitoramento de terremotos, que percebe o que está por vir, mas abandona o lugar sem dar o alarme para a população.

Não tenho conhecimento suficiente da cultura norueguesa (aliás, não tenho conhecimento algum sobre ela) para tentar pelo menos minimamente compreender, dramaturgicamente, qual a função deste desastroso protagonista, que mais colocou tudo a perder que propriamente salvou alguém ou alguma coisa. Seria uma visão nórdico-pessimista do momento atual? Ou uma revolta crítica contra a falsidade dos finais felizes e dos feitos heroicos da cinematografia dominante? Ficam no ar as questões.

De qualquer maneira, esta versão 2019 de “Terremoto” marca a estreia na direção de longas do cineasta John Andreas Andersen, e foi bem recebido em premiações europeias.