TIRADENTES 2016: O INTRIGANTE “CLARISSE” DISSECA RELAÇÕES FAMILIARES.

Por Celso Sabadin, de Tiradentes.

​Depois de “Grão” e “Mãe e Filha”, o cineasta cearense Petrus Cariry apresenta seu terceiro longa, “Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois”, mantendo fidelidade ao seu estilo. Ou seja, sóbrio, introspectivo, esteticamente apurado e profundamente reflexivo. Há em “Clarisse”, porém, um novo elemento na obra de Cariry: um intrigante toque de terror psicológico, com direito às mais diversas referências características do gênero, de corredores escuros a sangue exalando pelos poros. Passando por uma piscina a la Lucrecia Martel. Tudo ao som da vibrante trilha de Hérlon Robson.

A primeira cena de “Clarisse…” ganhará sentido cada vez mais intenso durante o desenrolar da trama. Uma montanha que explode, uma pedreira que espalha pó e destruição, que constrói a riqueza às custas do infortúnio. A Clarisse do título (Sabrina Greve, ótima) é uma mulher que despeja insatisfação pelos olhos e sangue pelo nariz. Alguma questão burocrática a obriga a um reencontro com o pai (Everaldo Pontes), onde brotarão antigas feridas familiares jamais cicatrizadas.

“Um homem que não consegue mais chorar e não tem mais medo da morte ainda pode ser chamado de homem?” é um dos questionamentos propostos pelo denso roteiro escrito a seis mãos pelo próprio diretor, por Rosemberg Cariry e por Firmino Holanda. Se o trabalho anterior de Petrus foi “Mãe e Filha”, este novo não deixa de ser um “pai e filha”. Pai e filha vivenciando com amargura os despojos de uma família em ruínas.

A família Cariry tem cinema em seu DNA. O pai, Rosemberg, diretor de longadata, além de coassinar o roteiro de “Clarisse”, também é coprodutor do filme (juntamente com o próprio Petrus, que ainda faz a direção de fotografia e participa da montagem). Barbara, irmã de Petrus, produz. O resultado desta empreitada familiar (assinada pela Iluminuras Filmes) é um cinema cada vez mais lapidado e maduro, que encanta plateias pelos festivais de todo o país e que o grande mercado ainda não tem muito conhecimento. Perde o grande mercado, que fica assim desprovido de um cinema de ideias e de apuro de realização, de sensibilidade e inquietação. Um cinema que o Brasil necessita, que é feito aqui mesmo, e que o próprio Brasil ainda desconhece.

Celso Sabadin viajou a Tiradentes a convite da organização do evento.