“TRANSE” E A BOLHA BRANCA DA CLASSE MÉDIA.
Por Teo Bressane-Sabadin, do Rio de Janeiro, especial para o Planeta Tela.
Dirigido por Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães, “Transe” faz sua estreia mundial no Festival do Rio, competindo na categoria Première Brasil.
O longa acompanha Luisa (Luisa Arraes), que vive entre suas agonias políticas no turbulento contexto eleitoral de 2018 e momentos de descontração com seus parceiros Ravel (Ravel Andrade), Johnny (Johnny Massaro) e demais amigos em rodas de música em seu apartamento, partilhando, para além dos mesmos gostos musicais, ideais político-sociais progressistas.
Com a proximidade das eleições, o grupo vai tomando consciência da bolha em que vive. e percebendo que os eleitores do “inimigo” — como se referem no filme — não são mais um bololô de pessoas distantes e abstratas, mas uma vizinha ou um amigo de infância, de forma que a própria narrativa se indaga sobre quem ou o quê agora se cabe no espaço das inimizades.
Para além disso, os jovens batem de frente — ou de raspão — com uma realidade que transpassa seu núcleo branco de classe-média, de um povo que é negro, periférico e maioria, embora tratado como minoria, quando se pensa em Brasil.
Apesar dos relances de vida real que eventualmente atingem o grupo, as personagens não se transformam ao longo da história e terminam da forma que começaram: refugiadas em sua bolha, com suas músicas e sem saber lidar com o mundo externo.
Apesar dos relances de vida real que eventualmente atingem o grupo, as personagens não se transformam ao longo da história e terminam da forma que começaram: refugiadas em sua bolha, com suas músicas e sem saber lidar com o mundo externo.
Acredito que, em alguma medida, essa inércia seja sintoma dos símbolos que escolhemos dar vazão. Diversas falas — tenebrosas, mas já bastante conhecidas — do atual presidente são bombardeadas no decorrer do filme, enquanto o candidato que o fazia oposição, Fernando Haddad, tem um pequeno trecho retratado apenas, que, agora ao escrever, sequer tenho claro em mente o que se dizia.
Em dado momento da narrativa, o grupo protagonista conversa por cima de um debate dos candidatos que acontece na televisão, porém comentam não sobre os presentes no palanque, mas justamente a respeito daquele que não compareceu. Até que um deles interrompe: “Vamos falar de outra coisa, gente. A gente consegue.”, tendo sua fala sobreposta às das demais personagens e não se fazendo ouvido.
Talvez ao menos nós, espectadores, devêssemos ouvi-lo e repensar o que é pertinente direcionar nossos esforços, nossa memória e nossa atenção.
Sinto que o filme acaba por divulgar justamente aquilo a que se opõe, ao compartilhá-lo, nomeá-lo e dar espaço às suas falas e suas ideias — mesmo que em tom crítico — enquanto Caetano Veloso e Padre Henrique Vieira, que trazem contrapontos progressistas no filme, sequer são mencionados nominalmente.
Apesar da tentação em expor o horror, me parece mais frutífero falar sobre os que nos identificamos: a gente consegue.
#festivaldorio2022
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