“TRUMBO” E A IGNORÂNCIA DA INTOLERÂNCIA.

Por Celso Sabadin

Uma das coisas que crítico de cinema mais gosta é assistir a filmes sobre cinema. Ver ídolos, tramas, atores e personagens conhecidos ganharem vida na tela é quase sempre um ato revestido de uma agradável e inexplicável magia. Se a história é boa, então, aí nem se fala! Neste sentido, “Trumbo – A Lista Negra” é um prato cheio.

A partir do livro do jornalista Bruce Cook, o roteirista de TV John McNamara estreia na tela grande com a história real de Dalton Trumbo, um dos mais conceituados roteiristas da Hollywood que nos anos 50 foi do céu ao inferno por ter cometido o “crime” de ser comunista. Na intolerante (e quase inacreditável) era do Macartismo, os setores mais conservadores da sociedade norte-americana empreenderam uma feroz caça às bruxas contra comunistas, socialistas, ou mesmo simples simpatizantes das ideologias de esquerda. A pena não era prender os “vermelhos”, mas sim colocá-los numa lista negra que os impedisse de trabalhar. Na sociedade mais capitalista do planeta, impedir alguém de obter seu próprio sustento fere mais a dignidade que qualquer cadeia.

É neste contexto que Trumbo (Bryan Cranston) emerge como uma das várias figuras-símbolo desta triste era, sendo forçado a viver numa espécie de clandestinidade profissional para sobreviver. A estratégia era escrever sob pseudônimos e contar com a ajuda de amigos para tentar vender os roteiros aos produtores. Desta forma, o cinema norte-americano dos anos 50 é recheado de créditos falsos, com nomes de pessoas reais ou imaginárias assinando trabalhos que efetivamente nunca fizeram.

Com direção de Jay Roach (um cineasta bastante identificado com comédias, como as franquias Austin Powers e Entrando Numa Fria), “Trumbo” mostra com eficiência a situação surreal destes profissionais proibidos de viver. Desde a incredulidade inicial até o desespero pela impossibilidade de trabalho, passando pela bizarra situação de ganhar um Oscar… e não poder contar para ninguém. Mas nada supera a indignação de ver os próprios profissionais de cinema lutando ferozmente pela destruição de seus próprios colegas de profissão, com direito aos mais sujos lobbies de bastidores.

Cinematograficamente, “Trumbo” é clássico e tradicional, não raro denunciando a origem televisiva de seus realizadores. Mas a trama é tão fascinante e tão inacreditavelmente real que esta falta de ousadia estética e narrativa acaba ficando em segundo plano.