“ÚLTIMA PARADA 174″ É TECNICAMENTE BOM, MAS NÃO EMOCIONA.

Existem coisas no cinema que só podem ser atribuídas a uma espécie de “conjunção dos astros”. Ou “química”, como preferem alguns. Seria uma espécie de “magia” que um filme tem ou não tem. Um elemento desconhecido que marca claramente o limite entre um filme memorável e outro que se perderá na multidão da história cinematográfica.

Peguemos o exemplo de “Última Parada 174”, por exemplo. A produção é das mais bem cuidadas, o elenco é competente, a fotografia é correta, a montagem tem bom ritmo, o roteiro encontrou um bom viés… mas o filme simplesmente não acontece. Não emociona, não decola. Há um distanciamento abissal entre as imagens que são projetadas na tela e o público sentado nas poltronas. Falta a chamada interação, a tão necessária empatia. Em linguagem menos poética e mais técnica, pode-se dizer que é um grave problema de direção. Bruno Barreto, que já mostrou seu talento em filmes como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” e “O Que é Isso, Companheiro?”, por exemplo, desta vez não conseguiu os resultados esperados com seu novo trabalho. Tem-se a impressão que o filme é dirigido por um estrangeiro, um cineasta desconectado com as coisas do Brasil, de visão distante, e que não consegue manejar com habilidade as sutilezas emocionais que dividem as obras primas das obras simples.

Baseado nos fatos reais foram maravilhosamente narrados pelo documentário “Ônibus 174”, de José Padilha, o filme de Barreto tenta radiografar a trajetória de Sandro do Nascimento (Michel de Sousa, que também esteve em “Cidade de Deus”), um ex-garoto de rua do Rio de Janeiro que por uma série de trágicas circunstâncias acaba sendo ao mesmo tempo protagonista e vítima do seqüestro do ônibus 174, em junho de 2000, num fato amplamente explorado pela mídia. O crime é apenas o desfecho do filme, que busca muito mais rastrear as raízes de Sandro e de suas mães (uma adotiva e outra biológica) que propriamente relatar o fato, já por demais retratado. O roteiro de Bráulio Mantovani (também de “Cidade de Deus”) costura bem as tramas e os personagens, mas – incrivelmente – o resultado final é frio. A resolução final do seqüestro soa apressada, o fato de não existir a cena em que a polícia teria assassinado Sandro, já dentro do camburão, soa covardia (receio de processos, talvez?), e tudo conspira para que, durante a projeção, sintamos cada vez mais saudades de (re)ver o documentário de Padilha.

Sensibilidade, emoção, sutileza, arte… tudo o que faltou em “Última Parada 174” pode ser visto, felizmente, em “Linha de Passe” (aliás, também com roteiro assinado por Mantovani). Vale a aula de cinema.