“UM CRIME EM COMUM”, A AGONIA DA CULPA.

Por Celso Sabadin.

Já temos um dos primeiros grandes filmes deste ano novo. E vem da Argentina. Trata-se de “Um Crime em Comum”, longa que – ao contrário do que seu título possa sugerir – não segue uma trama policial, mas trafega muito mais pelos caminhos do drama psicológico, flertando com o horror.

Cecília (Elisa Carricajo, ótima) é uma professora corroída pela culpa. E basta. Contar o que detona este sentimento – o que só vai ocorrer com o filme já bem adiantado – é estragar um pouco a experiência sensorial de “Um Crime em Comum”. Melhor não ler nada antes, nem sinopse, trailer, nada. Mas posso dar uma pequena dica cinéfila: é meio parecido com o que detona a culpa da protagonista de “A Garota Desconhecida”, de 2016.

Estabelecida a premissa, o diretor portenho Francisco Márquez – também corroteirista do longa, ao lado do estreante Tomás Downey – desenvolve um instigante trabalho de imersão na protagonista. Cecília está presente em praticamente todos os fotogramas do filme, tudo é centralizado nela, e em determinadas cenas sequer vemos os rostos dos personagens com quem ela contracena. O recurso – longe de ser um destes vários “maneirismos para ganhar festival que tem dominado o circuito dito artístico – é um fiel retrato cinematográfico da alma da protagonista: egocentrada. Um egocentrismo (não confundir com egoísmo) que será o elemento determinante de sua não-atitude que deflagará seu processo de culpa. De seu olhar de  não visibilidade para o outro.

Ou seja, Cecília praticamente só enxerga a si mesmo e – male-male – o filho que ama e a empregada que a serve. E a câmera de Márquez transforma este traço de personalidade em linguagem audiovisual.

Não se trata de um juízo de caráter, mas apenas a constatação de um valor firmemente estruturado nesta classe mediana blanca que congela diante das dificuldades daqueles que não são seus iguais.

O filme não julga; apenas mostra. Destila o desespero que alcança níveis de horror psicológico retratando um personagem que se perde tanto pelas ruelas de uma comunidade que desconhece profundamente como pelos seus sentimentos mais íntimos que – nota-se – desconhece na mesma proporção.

Provavelmente “Um Crime em Comum” será taxado pelas percepções mais colonizadas como “aquele tipo de filme em que nada acontece”, principalmente quando atingir um público mais amplo ao estrear na pasteurizante plataforma Netflix, no próximo dia 28 de janeiro. Mas certamente será bem recebido por quem procura experiências cinematográficas mais incitantes.

“Um Crime em Comum” estreia nos cinemas nesta quinta, dia 14, e dia 28 de janeiro também estará disponível na Netflix.