“UM ELEFANTE SENTADO QUIETO”. E RETRATANDO A ANGÚSTIA DE UM POVO.

Por Celso Sabadin.

Em algum lugar da China, um grupo de personagens vive intensos dramas particulares. Um estudante está jurado de morte por ter provocado um acidente que levou um colega ao hospital. Um senhor idoso é pressionado pela família a ir morar num asilo. Uma garota tem um vídeo comprometedor vazado na internet. Outros conflitos paralelos – de maior ou menor intensidade – gradativamente são adicionados à trama. A fuga para todos os males parece ser Manzhouli (que no ocidente conhecemos com Manchuria), onde, dizem, há um elefante sentado, imóvel, indiferente a tudo e a todos.

Magnífico drama de fôlego com quase quatro horas de duração que retrata – segundo afirma o próprio roteirista e diretor Hu Bo – “todo um grupo de jovens adultos chineses que não fazem nada além de dormir em seus quartos durante todo o dia e jogar videogames durante a noite, conduzindo suas vidas de forma negligente”. É esta negligência dos jovens adultos que causará o desespero das situações vividas pelos adolescentes e pelo idoso.

Se a ideia do cineasta era mostrar a desesperança vazia desta população, ele acertou em cheio. O filme carrega intensamente nesta sua justificável longuíssima duração um pesado clima de desolação, conflitos e tristezas, além da sufocante sensação de não ter para onde correr.

“Esta escola vai fechar e você vai para a pior escola do país. Quando sua turma se formar, metade dela vai virar vendedor de comida na rua”, diz cruelmente um jovem estudante ao seu colega de classe inferior. É a acidez corrosiva da meritocracia invadindo a nova China desesperadoramente capitalista.

Não longe dali, o patriarca septuagenário de um pequeno núcleo familiar é praticamente colocado pra fora de sua própria casa porque a família precisa se mudar para uma outra região que possa oferecer um ensino melhor à pequena filha. E como no novo local os alugueis são mais caros, não caberão todos no mesmo apartamento. Que saia então o mais velho, desmoronando definitivamente o antigo conceito de que a cultura oriental trata seus idosos com muito mais respeito.

O ar de consternação que o filme carrega é dos mais doloridos.

A câmera sempre intimista, em longuíssimos planos- sequência, caminha com suavidade seguindo os passos dos personagens em enquadramentos claustrofóbicos nos quais a lente mais esconde do que mostra. Em várias situações o desespero dos protagonistas é potencializado pela exasperadora opção do diretor em entregar ao som – e não à imagem – a função de narrar os conflitos estabelecidos. Golpes, ataques, agressões são mais ouvidos que vistos, sobrecarregando o poder de imaginação do público e multiplicando, assim, o já intenso efeito dramatúrgico.

Num filme de cores esmaecidas, nada brilha. O céu é eternamente nublado e os segundos planos sempre desfocados, mesmo se neles ocorrerem ações de importância fundamental.

O sentimento de não pertencimento a nada e a ninguém é angustiante.

“As coisas não mudam se a gente se afastar, mas mesmo assim a gente vive se metendo em confusões” e “Você pode ir para onde quiser mas não vai encontrar nada diferente” são duas citações de personagens do filme que refletem o estado de espírito do longa e de seu realizador. Que se suicidou aos 29 anos, pouco depois de terminar o filme, sua estreia no longa.