“UM LUGAR AO SOL” PASMA AO RETRATAR CLASSE DOMINANTE BRASILEIRA.

Quem já não ouviu a famosa ladainha que “o cinema brasileiro só mostra miséria, favela, gente desdentada e mulher pelada”? Pois bem. Para provar que este chororô não tem razão de ser (aliás, nunca teve), o cineasta pernambucano Gabriel Mascaro coloca nas telas do Brasil um pedaço da classe dominante. Só gente fina. Com o genial documentário “Um Lugar ao Sol”, Mascaro enfoca o seleto universo dos moradores de coberturas de prédios classe A das cidades de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Todos belos, saudáveis e cheios de dentes, onde a favela é uma realidade distante. Há até o depoimento de uma moradora que acha lindo o riscado colorido que as balas perdidas deixam nos céus, quando há confrontos armados entre os morros.

Ao abrir sua câmera às classes dominantes, Mascaro escancara o abismo sócio-cultural brasileiro, exibindo a necessidade de muitos em morar acima de tudo. Literalmente. Ao se distanciar do nível da rua, é visível – e risível – a forma como vários destes moradores se colocam acima do bem e do mal diante deste complexo painel de meandros sociais chamado Brasil.

Além do fator praticamente inédito de abordar uma classe sempre presente nas revistas de fofocas, e quase sempre ausente das telas de cinema, o filme ainda provoca uma importante discussão sobre a ética que deve existir entre os documentaristas e seus depoentes. Numa sessão de “Um Lugar ao Sol” realizada durante a Mostra de Cinema de São Paulo, Mascaro chegou a ser questionado se ele não estaria se aproveitando da boa vontade das pessoas que se deixaram entrevistar para, depois, ridicularizá-las na tela. O cineasta se defendeu alegando que sua obrigação é fazer cinema, e não jornalismo. Diferente do jornalismo, o documentário não tem a obrigação de ser imparcial, muito menos de mostrar todos os lados da questão. É um recorte.

Concordo totalmente com Mascaro. O cineasta não obrigou ninguém a dizer o que está dito no filme e não manipulou imagens de forma anti-ética . Ele não tem culpa se existe gente no Brasil que, do alto de sua cobertura, se encanta com o colorido dos tiroteios lá em baixo. Ele não provocou as barbaridades ditas no filme, muito menos o despenhadeiro social que motivou tamanhas aberrações. Apenas registrou. Se é que, este caso, cabe a palavra “apenas”.

Sóbrio, simples, sem maneirismos estéticos nem nenhum tipo de espetacularização, o filme mostra que o maior espetáculo da Humanidade continua sendo o próprio Homem. Mesmo quando ele se deslumbra e perde o senso do próprio ridículo ao ser seduzido por uma câmera de cinema.

“Um Lugar ao Sol” foi exibido em mais de 40 festivais internacionais, entre eles os de Los Angeles, Miami, Cartagena, Munique e Toulouse.