“UM SÓ PECADO”, UM TRUFFAUT IRREGULAR.

Por Celso Sabadin.

Depois da consagração de sua estreia com “Os Incompreendidos”, do fracasso de “Atirem no Pianista”, e da retomada do sucesso com “Jules e Jim”, François Truffaut lançou-se no projeto de filmar “Farenheit 451”, a partir do livro de Ray Bradbury. Enquanto as difíceis tentativas de levantar financiamento para o novo longa não frutificavam, Truffaut decidiu realizar um filme que, teoricamente, seria mais rápido e simples para concretizar.

Nasce assim “Um Só Pecado”, a partir de um roteiro original  desenvolvido pelo diretor em parceria com Jean-Louis Richard, que passaria a ser seu habitual colaborador em futuros trabalhos.

A partir de dois casos reais da crônica policial francesa, Truffaut conta a história de Pierre (Jean Desailly), intelectual burguês de meia idade, que durante uma viagem a Lisboa se encanta perdidamente por Nicole (Françoise Dorléac), comissária de bordo de seu voo. Cada vez mais obsessiva, a desenfreada paixão desestabilizará radicalmente a até então pacata vida do protagonista, com trágicas consequências.

“Um Só Pecado” se mostra um filme irregular dentro da obra do famoso cineasta francês. Claramente influenciado por seu ídolo Alfred Hitchcock –  com quem havia convivido durante uma semana, elaborando entrevistas para seu livro – Truffaut busca momentos “hitchockianos” neste seu novo longa, usando e abusando de uma montagem fragmentada decupada com vários posicionamentos de câmera, no estilo do mestre. O problema é que alguns funcionam, outros não. Se tudo dá certo, por exemplo, no  tenso/romântico contato entre os protagonistas no elevador do hotel, por outro lado tudo soa estranho e gratuito nas sequências de decolagens e aterrisagens do voo Paris-Lisboa onde a trama se iniciará. Voo, aliás, da empresa brasileira Panair, que entraria em falência alguns anos depois pelo fato de seu proprietário se posicionar contra a ditadura militar de 1964, mas isso já é outro filme.

Destaque também para um divertido jogo de acender e apagar de luzes em meio a diálogos rápidos entre Pierre e a esposa (Nelly Benedetti), no apartamento do casal. Apartamento, por sinal, que era o de Truffaut na vida real.

Como é comum na obra do diretor, “Um Só Pecado” pode não trazer uma história totalmente autobiográfica, mas carrega vários elementos – e até episódios – que remetem à realidade do diretor, como suas constantes traições amorosas, ou o protagonista escapando de palestras promovidas por uma falsa intelectualidade que – segundo o próprio filme – cria eventos culturais apenas para promover jantares.

A irregularidade de “Um Só Pecado” não passou despercebida   no Festival de Cannes, onde teve uma acolhida das mais frias, transformando-se a seguir em fracasso de bilheteria.

O filme seria também um dos últimos de Fraçoise Dorlèac, irmã mais velha de Catherine Deneuve, que vitimada por um acidente automobilístico faleceria três anos depois, aos 25 anos de idade.

O filme está disponível em DVD pela Versátil Vídeo.