“UNDINE”, MAIS UMA FASCINANTE VIAGEM DE PETZOLD.

Por Celso Sabadin.

O grande aquário decorativo de um café em Berlim estoura sobre dois clientes, que se ferem com os cacos de vidro. O garçom chega correndo. Para socorrê-los? Não, para repreendê-los: “Idiotas! Espero que tenham um bom seguro!”, diz o rapaz para seus clientes.

Sim, estamos em um filme do roteirista e diretor alemão Christian Petzold, o que significa que o inesperado e o bizarro podem acontecer a qualquer momento, sem aviso, sem lógica, e com a maior naturalidade possível. Mas jamais gratuitamente.  Petzold é um colecionador de prêmios e indicações em festivais internacionais – incluindo quatro premiações no Festival de Berlim – embora não seja ainda um dos diretores mais midiáticos por parte da imprensa brasileira. Seu estilo que mistura sobriedade e reflexão a vibrantes arroubos de estranhamento é dos mais elogiados e apreciados (eu gosto muito!), e a partir desta quinta-feira, 23/12, poderá ser conferido novamente nos cinemas daqui, com a estreia de “Undine”, sua obra mais recente.

A primeira cena do longa já se desenvolve na incômoda situação de um casal em processo de separação. No café situado em um belo jardim (este mesmo do aquário), Johannes (Jacob Matschenz), frio, rompe seu relacionamento com Undine (Paula Beer), que tenta conter as lágrimas. Ele parece decidido; ela, arrasada. Num rompante de desespero, ela avisa que vai trabalhar, e que voltará ao café em meia hora, para que ele mude de ideia. Se ele não reconsiderar, ela será obrigada a matá-lo. Sim, estamos num filme de Christian Petzold.

Undine é historiadora, e durante esta meia hora anunciada ela faz uma bela palestra sobre o desenvolvimento histórico de uma Berlim destruída, dividida e reconstruída pela guerra e pela política. Ela informa também que a palavra “Berlim”, de origem eslava, significa “pântano” ou “lugar seco no pântano”. E sobre Johannes nada sabemos. Afinal, o filme se chama “Undine”, e não “Johannes”.

E chega de falar do que acontece no filme! O fascinante mesmo da obra de Petzold é viajar nas pistas e referências que ele salpica pela obra. A cidade sobre o pântano, o aquário (e várias outras coisas) que se quebram, a água como representação da vida e da morte, a mitologia de Ondine, a total desobrigação de manter qualquer parâmetro de razoabilidade tradicional e – por que não? – as sutis camadas de misticismo e espiritualidade. Sem deixar de lado alguns requintes de crueldade, claro. Afinal, a Alemanha é sempre a Alemanha. Ao som do Adágio no 2 de Bach, tudo fica ainda mais encantador.

Ganhador dos prêmios de melhor atriz e da crítica internacional no Festival de Berlim, “Udine” fecha 2021 com chave de ouro nos cinemas brasileiros.