“URSA” E OS DESESPEROS DOS PRECONCEITOS.

Por Celso Sabadin.

“Ursa” é um daqueles filmes que é bom assistir sem ler a sinopse antes. Isto porque – com muita competência – o roteirista e diretor William de Oliveira inicia sua narrativa sem pressa, apresentando de forma naturalista e envolvente os elementos humanos que comporão a trama.

Vemos um rapaz prostrado, de olhar perturbado, diante das caixas empilhadas durante sua mudança. A presença da garota que o ajuda parece irritá-lo. E muito. Em algum outro lugar impreciso, duas crianças brincam alegremente, desarrumando a cama da mãe que fica possessa com a bagunça. Mas não muito. O rapaz sai de casa e logo se frustra com um encontro desmarcado. A mãe das crianças também sai, para começar seu turno como garçonete numa lanchonete.

Todos estes personagens exalam realidade e naturalidade num dia como outro qualquer. Nenhum deles é a Ursa do título. Mas suas vidas serão inapelavelmente cruzadas. E enquanto isso não acontece, o filme transpira instantes de suspense quase insuportáveis provocados por um silêncio ensurdecedor e por uma direção das mais seguras.

O que, como e porque acontece não é tão importante quanto as discussões que se seguem após o acontecido. Como uma espécie de McGuffin (como diria Hitchcock), o fato em si abre espaço para a explosão de diversos preconceitos estruturais e conjunturais desta nossa tão combalida sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que escancara maldades da alma humana e expõe o desespero da perda.

Tudo isso dentro da muito bem-vinda opção dramatúrgica de não julgar, mas apenas expor.

Apoiado por um excelente elenco que confere veracidade a cada cena, “Ursa” marca uma mais do que promissora estreia do diretor em longas metragens, e pode ser visto na programação do 10º Olhar de Cinema de Curitiba somente nos dias 10/10 e 14/10, das seis da manhã destes dias até as 5h59 do dia seguinte.

 

Quem é o diretor.

 

William de Oliveira é natural de Curitiba-PR e formado em Produção Audiovisual pelo Instituto Federal do Paraná – IFPR. Seu curta-metragem “Aquele Casal” (2019) foi selecionado para importantes festivais nacionais e internacionais, como o 8º Olhar de Cinema, a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes e o 41º Festival de Havana. É também corroteirista do curta “Pausa Para o Café”, vencedor do Candango de melhor roteiro na última edição do Festival de Brasília. “Ursa” é seu primeiro longa-metragem.