VIGOROSO, “AZOUGUE NAZARÉ” CONTRAPÕE CULTURA POPULAR E IGNORÂNCIA RELIGIOSA.

Por Celso Sabadin.
 
Iniciar o filme com um vibrante desafio musical, no qual os protagonistas imediatamente sinalizam, de forma poética, os primeiros conflitos do roteiro, já mostra que “Azougue Nazaré” não será um filme igual à maioria. Como de fato não é.
 
O roteiro de Tiago Melo e Jeronimo Lemos cria um pequeno e fascinante grupo de personagens que mostram uma cidadezinha do interior pernambucano (no caso, Nazaré da Mata, cidade natal da avó do diretor do filme) dividida entre o Maracatu Rural e o Evangelismo radical. Maracatu Rural, para quem não sabe (eu não sabia) é uma tradicional manifestação da cultura popular brasileira que surgiu com a mistura de danças e religiões de matriz africana trazidas pelos povos escravizados. Evangelismo radical, para quem não sabe (eu sabia) é a base da ignorância e da intolerância social e política que têm destruído o Brasil nos últimos anos. Neste contexto, o casal formado por Catita (Valmir do Côco, fantástico) e Joana Gatis (Darlene, excelente) está em profunda crise conjugal: enquanto o marido se esbalda na alegria incontida do Maracatu, a esposa se afunda cada vez mais nas camisas de força das infindáveis proibições e censuras de sua tosca igreja.
 
Em meio a ambos, o pastor (Mestre Barachinha) simboliza a triste transição do próprio país: ex-mestre de Maracatu, agora ele é um pregador radical que nega suas raízes e combate com ferocidade o que considera, erroneamente, como oponente. Ou satanás. Da mesma forma que este nosso entristecido Brasil já foi, algum dia, um país mais alegre, mais poético e mais musical. Num dos momentos-chave do filme, a ignorância torna-se causa e motor da estupidez, graças à simples incapacidade do pastor em saber interpretar um simples texto. Ou, provavelmente, na conveniência desta alegada incapacidade.
 
Exuberante e vigoroso, “Azougue Nazaré” ainda se aventura por caminhos místicos do sincretismo religioso, ao mesmo tempo em que se sintoniza com uma bem-vinda contemporaneidade que produz, entre outros grandes achados do filme, um impagável duelo poético-musical via Whatsapp. Tudo ungido com uma fortíssima dose de verdade quase documental obtida também através de um elenco de vários atores não profissionais que de fato compõem o universo do Maracatu Rural.
 
O filme marca a estreia na direção de longas do pernambucano Tiago Melo, um dos produtores de “Aquarius”, “Boi Neon”, “Bacurau” e “Divino Amor”, entre outros.
 
Entre os vários prêmios recebidos por “Azougue Nazaré”, destacam-se o Bright Future Award, do Festival Internacional de Roterdã, Melhor Direção no BAFICI 2018, Menção Honrosa no Lima Independiente Film Festival 2018, Prêmio da Crítica no Festival de Toulouse, e a Prêmio Especial do Júri, Melhor Ator e Melhor Montagem no Festival do Rio 2018. O longa foi o grande vencedor do 13º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, levando Melhor Filme – Júri Oficial, Melhor Filme – ABRACCINE, Melhor Filme – Júri Popular, Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Fotografia.