“VIVER MAL” E SEU MOSAICO DE SOFRIMENTOS.

Por Celso Sabadin.

Não se confunda: estreou na última quarta-feira em cinemas brasileiros o drama português “Viver Mal”, com roteiro e direção de João Canijo. O outro filme de Canijo que estreou há algumas semanas por aqui se chama “Mal Viver”. E um completa o outro. Não se trata de continuação, mas da mesma história, agora narrada sob outro ponto de vista.

“Mal Viver” coloca em rota de colisão autodestrutiva três gerações de mulheres que se agridem verbalmente durante duas horas de projeção em um hotel de propriedade da família das protagonistas. “Viver Mal” mostra a mesma situação, no mesmo tempo e no mesmo espaço, mas agora a partir da percepção dos hóspedes deste hotel. Um homem vive dividido entre dar atenção a sua mulher e o espaço que ocupa a sua mãe entre eles. Uma mãe dominadora incentiva o casamento da filha para facilitar a sua relação amorosa com o genro. Outra mãe vive através da filha, impedindo-a de tomar as suas próprias decisões. São três núcleos familiares originários de três peças teatrais nas quais o filme se baseou.

O universo de Canijo é novamente povoado por relações doentias nas quais sofrimentos psicológicos se entrelaçam pelas finas paredes do hotel. Traições, chantagens, agressões e rancores entre personagens cruéis e manipuladores se apresentam via jogos de enquadramentos e montagens que compõem um enigmático exercício de estilo cinematográfico. Sobreposições de reflexos e diálogos paralelos repetem-se diante do público e às costas dos personagens, formando um mosaico audiovisual que não raramente se mostra vazio, em função de seu rarefeito conteúdo.

“É tudo uma chatice”, ou “uma conversa de merda”, no dizer dos personagens do filme.

 

Quem é o diretor

O cineasta português João Canijo, nasceu no Porto, em 1957. Foi estudante de História, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, entre 1978 e 1980. Abandonou esses estudos para se dedicar ao cinema, tendo sido assistente de realização de Manoel de Oliveira, Wim Wenders, Alain Tanner e Werner Schroeter. Em 1988, realizou seu primeiro filme “Três Menos Eu”, selecionado para o Festival de Rotterdam. Participa do Festival de Cannes, na mostra Un Certain Regard por duas edições: em 2001, com “Ganhar a Vida”, um drama trágico protagonizado pela atriz Rita Blanco que participou de diversos filmes de Canijo como “Três menos eu”, “Filha da mãe”, além dos mais recentes; e com “Noite Escura”, em 2004, que foi o filme português escolhido como candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro daquele ano. “Mal Viver” recebeu o Urso de Prata, Prêmio do Júri, no Festival de Berlim 2023 e “Viver Mal” participou da mostra Encounters, também em Berlim.