“WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS” RESGATA A INGENUIDADE E O ROMANTISMO DOS ANOS 60.

Crítico de cinema adora filmes ambientados nos bastidores do cinema. Adorei até “Hitchcock”, com Anthony Hopkins, que quase ninguém gostou. Agora, surge mais um filme que usa a própria atividade cinematográfica como tema. E ambientado praticamente na mesma época de “Hitchcock”: “Walt nos Bastidores de Mary Poppins”.

Tudo se passa no início dos anos 60, quando o já todo poderoso Walt Disney faz o possível e o impossível para adquirir da escritora britânica P.L. Travers (Emma Thompson, ótima) os direitos para filmar seu consagrado livro “Mary Poppins”. A mulher parece irredutível: teme que seus queridos personagens se transformem num melado desenho animado musical, como ela classifica os trabalhos anteriores do criador de Mickey Mouse. Exige controle total sobre os resultados da produção e não faz o menor esforço para, ao menos, parecer simpática, por mais que Disney se mostre afável e sedutor. É, no fundo, um filme sobre o enfrentamento de dois gênios criativos igualmente poderosos e teimosos. Um braço-de-ferro cultural.

Grande parte do charme de “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” reside no fato de seu desenho de produção reproduzir com fidelidade os românticos anos 60 de Hollywood, os últimos antes do sistema de estúdio entrar definitivamente em colapso econômico. É o momento final de uma América ingênua, a poucos anos de meter uma bala na cabeça de seu presidente favorito, e de mergulhar no horror do Vietnã. É o crepúsculo dos deuses do cinema representados na fábrica das ilusões criadas por uma empregada que chega para trabalhar voando em seu guarda-chuvas. É delicioso ver este ocaso revivido na tela grande, com todas as cores fortes dos filmes feitos naquela época. Sim, “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” recria os anos 60 com as mesmas luzes e cores que eram moda naquele momento.

O título em português é um pouco impreciso, pois o filme não enfoca exatamente os bastidores das filmagens, preferindo se concentrar na penosa negociação dos direitos autorais. Tom Hanks também não tem nenhuma semelhança física com Walt Disney, e a conclusão final, repleta de velhos padrões de causa e efeito que tanto permeiam o filme comercial americano, tem um sabor passadista de formulação antiga. Mas quem liga? A proposta é embarcar no mundo da fantasia disneyniana, e acreditar que tudo é possível. Inclusive que Walt Disney comeu o pão que Travers amassou apenas para cumprir uma promessa feita às suas filhas. Não por acaso, o filme é dirigido por John Lee Hancock, o mesmo de “Um Sonho Possível”.

Como se diz, imprima-se a lenda.