“ZONA DE INTERESSE”: INTENSO E PERTURBADOR.

Por Celso Sabadin.

As primeiras cenas de “Zona de Interesse” são idílicas, mostrando uma bela propriedade rural com muita área verde, flores, horta, lago. Crianças brincam na piscina. Na ampla casa repleta de quartos, mulheres falam sobre casacos de peles e diamantes. É possível ver no limite da propriedade, ao longe, algumas chaminés bastante ativas: é ali que os homens trabalham. Não se trata de uma fábrica ou indústria comum. A fumaça vem dos fornos de alta tecnologia que queimam seres humanos: ciganos, deficientes físicos ou mentais, homossexuais, judeus, comunistas, opositores do nazismo.

“Zona de Interesse” é parcialmente baseado na história real de Rudolph Höss (interpretado por Christian Friedel), que durante quase dois anos comandou o campo de extermínio de Auschwitz, tornando-se um dos principais responsáveis pela implementação de novos métodos de matança no lugar. E, antes que alguém pergunte: não, não é apenas mais um entre os vários filmes já feitos sobre o tema. Pelo contrário.

Coproduzido por EUA, Reino Unido e Polônia, “Zona da Interesse” não segue nem a estética, nem o estilo tradicional do gênero. Não mostra nenhuma daquelas cenas que imediatamente nos vêm à cabeça quando se fala em “filme de campo de concentração”. Sua opção é fixar-se quase que completamente na moradia da família Höss, uma ilha de luxo, calmaria e paz incrustrada em meio ao horror indizível. O filme se constrói sobre esta dicotomia.

Tudo é visto de longe. Nenhum personagem é mostrado em close. Tanto que talvez nem todos notem que o papel feminino principal é de Sandra Hüller, a mesma que ganhou grandes e generosos planos aproximados em “Anatomia de uma Queda”.

Em “Zona de Interesse”, a câmera observa a tudo e a todos a uma distância, digamos, respeitosa. Ou seria a uma distância apavorada pela atrocidade da situação? Como quem não se aproxima de uma praga contagiosa? A intenção e a interpretação destes enquadramentos heterodoxos ficam abertas à análise e à emoção de cada espectador. Fato é que o resultado é perturbador e angustiante, como o próprio tema em si.

Dissonante, incômoda e provocativa, a trilha musical da musicista, cantora e compositora britânica Mica Levi segue a mesma tocada, proporcionando uma interpenetração resultado imagem/som dos mais .

“Zona de Interesse” é baseado no livro homônimo, publicado em 2014, do britânico Martin Amis, falecido em 19 de maio do ano passado, exatamente no dia de estreia do filme no Festival de Cannes. Trata-se do quarto longa dirigido pelo londrino especialista em vídeos musicais Jonathan Glazer. Seus longas anteriores são “Sexy Beast” (2000), “Reencarnação” (2004), e “Sob a Pele” (2013).

Apesar de ter sido indicado a vários prêmios Oscar, “Zona de Interesse” é excepcional.