A CHANCHADA DE ONTEM É O CLÁSSICO DE HOJE.

Chanchada, que semanticamente deriva da palavra italiana chanchiata (vulgar, porco, sujo) é a denominação estigmatizante, predatória, que a crítica de cinema do Brasil adotou quando surgiram as comédias da ‘Atlântida’, no final dos anos 1940 e começo dos 1950. Visavam o consumo popular. E conseguiram sucesso com as produções protagonizadas, em sua maioria, por Oscarito e Grande Otelo. Nesse clima de êxitos e preconceitos, surgiu Carlos Manga, um dos melhores cineastas de nossa História. Mas poucos perceberam seus méritos em jóias como “Matar ou Correr” (1954) e “O Homem do Sputnik“ (1959), paródias que hoje são cult. O tempo passou, Manga viu seu talento ser reconhecido quando já estava na TV. Ou seja, a crítica se equivocou.

Até hoje boa parte dela se equivoca, acomodada em preconceitos ou influenciada por um bom trabalho de marketing. Esses equívocos são mais freqüentes no trato das comédias, naquelas que encontram boa resposta de público. Essa conduta está se repetindo agora em relação às quatro maiores rendas obtidas pelo cinema nacional em 2009. Todas através do humor e em produções da ‘Globo Filmes’, ligada à ‘TV Globo’, que também é vitima de preconceitos no terreno do riso e da novela. Sou noveleiro e não perco as criações de Gilberto Braga e, principalmente, do Silvio de Abreu, que ‘bebe’ do cinema para mesclar humor e suspense em folhetins notáveis como “A Próxima Vitima” (1995) e “Belíssima” (2005), entre outros. E vejo também “Caminho das Índias” (2009), com vários clichês, inovou no exotismo (haja produção), e tem a mais bela apresentação que já vi na TV, mesclando a linguagem de Busby Berkeley com os padrões de Bollywood.

Essas reflexões sobre os equívocos da crítica, sua postura às vezes arrogante, foram provocadas pela notícia da homenagem que a 7ª edição do ‘Curta Santos’ prestou, no último dia 15, a Carlos Manga. Ele é o patrono do festival. Uma justa homenagem a um criador extraordinário, não só no cinema como na TV, onde dirigiu e supervisionou minisséries fascinantes como “Um Só Coração“ (2004) e Eterna Magia (2007). E bendita a ‘Globo’ que lhe deu espaço.

Manga é a prova viva que a chanchada de ontem é o clássico de hoje.

Alfredo Sternheim é cineasta e jornalista