“A ÚLTIMA ESTAÇÃO” ABRE O FESTIVAL DE BRASÍLIA.

Brasília, 18 de setembro de 2012.

Sem saber até quando, sei mesmo – e isso é compartilhado, obviamente, pro amigos bem mais, digamos, maiores fisicamente que eu – é que pela amostra do primeiro dia, na abertura do Festival, as cadeiras do auditório do Teatro Nacional Cláudio Santoro, a muretinha que existe entre elas e a fileira da frente, o tipo do estofamento (quem sabe a cor, também).., enfim, todo esse conjunto, promete ser martírio e pena para pernas e costas, principalmente com o avançar que acumulará sobre o corpo horas sentados diante da tela. Já ontem mesmo, que foi uma “simples” abertura, nem tão extensa assim, e até com boas brechas entre uma fala e uma música para que pudéssemos virar ou ficar em pé para breves conversas, talvez pelo pavor transmitido pelos grandões (sabe-se lá até onde nossas mentes são fracas e influenciáveis), dores esporádicas e um tanto lancinantes iniciaram avisos “promissores”: ameaçando sutilmente o futuro…

Falar da secura do ar e do calor, para quem chegou daquele deserto que está São Paulo nessa altura da era geológica, é algo que seria redundante se assunto esticado: está quente e seco sim, mas, aqui, há normalidade, simplesmente. Falar da abertura, um tanto mais justo: breves palavras sem muita informação a mais do que o necessário (mas enfatizando de modo justo a figura do grande pensador do cinema nacional, Paulo Emílio Sales Gomes, que também foi o idealizador mor do Festival de Brasília: com a ideia basal de que deveria ser no centro do país, onde todo ele é representado, que um festival como esse teria sua razão de ser e importância); discurso em tom (no sentido do tom fonético adotado, mesmo) estranho, porém curto, proferido pelo Secretário de Cultura do DF, Hamilton Pereira; e apresentação sensível, num curto – já que estava tudo montado poderia ter tido mais algumas músicas executadas – Concerto de Abertura da Orquestra Sinfônica de Brasília (sob regência de Cláudio Cohen), executando dois trechos da trilha sonora do filme de abertura, compostos e até cantados por Patrick de Jongh.

Sem muito mais – e tentando promessa de cobertura mais enxuta… -, abaixo, uma breve crítica de A Última Estação.

FILME DE ABERTURA

A Última Estação, de Márcio Curi. Ficção, cor, digital, 113min, DF, 2012

Viagens que rendam observação sobre trechos, sobre povos que colonizaram um país de constituição fortemente imigratória como é o caso aqui do Brasil, tendem a chamar a atenção de forma que seja extrapolada a observação “puramente” analítica no sentido da confecção dentro dos parâmetros da arte, para que se note o quanto esse observar foi minimamente amplo para além do olhar clichê e mimetizado, além de, obviamente, tornarem-se alvo emotivo e ansiado pelos residentes e descendentes pátrios dos que foram retratados. É situação de risco que se corre quando tentada tal empreitada, pois a sedução do pitoresco beira e se insinua a cada possibilidade “exótica” com que se depare o realizador (e, evidentemente, são muitas, sempre), e as cobranças acabam por advir de variados e exigentes outros reclamantes, que não só os chatos críticos.

Márcio Curi parece não ter temido nada e ninguém na hora em que concretizou o roteiro do Di Moretti e foi ao encontro dos cantos de sereia, das possibilidades exóticas, dos excessos que a diversidade de uma cultura tão “atípica” à tupiniquim, como é a libanesa, evidenciam. Pensou em todo o início de A Última Estação como terreno em que poderia tentar delinear as figuras humanas imaginadas com traços brilhosos (arabescos, no sentido da fulguração que costuma brotar do ideário no contar daquela região, que imagina valores, virtudes e hombridades, como algo muito tipicamente seu) e bastante vincados, além de dourar a ambiência (especialmente a física, material) com diversas “matizes ouro”, para tentar alcançar visual que pudesse remeter ao que o idílico quase sempre consegue remeter com tanta facilidade (quando se sonha com o que se viveu, ou com o que se imaginou, as nuances visuais beiram coloração e luminosidade muito raras de serem encontradas no cotidiano normal que a Iris vê no viver).
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O filme não vai nada bem nesse sentido: o artificialismo que o cinema exige para que se obtenham padrões de encantamento – algo bastante comum às superproduções que falam de “odisseias” (deslocamentos imigrantes tem tal possibilidade, tal teor) – no caso do filme de Curi, rendeu algo que “quebrou”, de maneira muito isoladora, boa parte do sentido de fluidez e credibilidade na narrativa: esse tom desnecessariamente destoante, que abrange principalmente todo o início da produção, comprometeu as expectativas ante os rumos que as coisas iriam continuar tomando. Porém – e aí, um porém positivo -, a continuidade revelou um diretor se despegando dessa artificialidade pomposa, que entendeu possível empregar outras nuances, causando guinada positiva que, num crescendo, passou a ganhar mais espaço, inclusive com o dom de “cometer” um certo apagamento ao que havia poluído as retinas até certo momento.

Sem conseguir detectar ao certo se o que encantou mais Márcio Curi no início era sua intenção maior a ser atingida, ou se pensou mesmo nas sequências e guinadas de modo proposital, a verdade é que o filme ganha e cresce muito quando se despe dos trajes excessivamente artificiais e luxuosos, se amparando no presente (setembro de 2001) e nas atuações de Klarah Lobato (Sâmia) e seu pai Tarik (Mounir Maasri) – com mais humor e boas sacadas -, e na transformação da jornada (antes de imigrantes) para um breve road-movie pelo Brasil. Toda a engenharia necessária para que se faça fluido um andar acaba recebendo parece ser azeitada, as sequências tornam-se mais leves, dinâmicas e críveis, as almas tentadas ganham vida (enquanto a “honra máxima” cede espaço à verdade), e a própria estética do filme, com visual mais leve e “pé-no-chão” passa a ser merecedora de admiração.

Não dá para dizer que se estivemos diante de obra inesquecível quando encerrada a sessão, mas com certeza, com o alivio no pedal da pressão onírica, a marca que restou é de que A Última Estação pode sobreviver de modo um pouco mais bem aconchegado na memória de quem o viu criticamente, e de quem, da colônia, esperava algo que remetesse ao que é o Líbano já tão embrenhado na constituição do país de cá, e na memória afetiva criada em seus descendentes.

Cid Nader viajou a Brasília a convite da organização do evento.