“A VOZ DO SILÊNCIO” E SEQUESTRO RELÂMPAGO: SÃO PAULO EM ESTADO DE ATENÇÃO.

Por Celso Sabadin.

Já virou clichê dizer que a cidade onde se passa determinado filme acaba se transformando numa personagem deste mesmo filme. Clichê ou não, lá vai: duas ótimas produções brasileiras que estrearam na última quinta-feira têm a capital paulista como grande personagem: “A Voz do Silêncio” e “Sequestro Relâmpago”.

O primeiro, dirigido por André Ristum (o mesmo de “Meu País”, um ótimo trabalho a ser revisitado e descoberto), desenvolve com talento o estilo do chamado “filme-coral”, ou seja, vários personagens e suas histórias simultâneas que se entrecruzam num mesmo espaço físico e temporal. Num roteiro sem protagonistas, todos têm o mesmo nível de importância na trama. Um estilo que Robert Altman dominava como poucos.

Em “A Voz do Silêncio”, perambulam pela cidade de São Paulo um oficial de justiça de poucos escrúpulos, uma corretora de imóveis com problemas financeiros, uma dançarina de pole dance e sua mãe perturbada, um estudante que trabalha como sushi man à noite e porteiro de manhã, um locutor de rádio, um atendente de telemarketing… enfim, personagens revestidos de fortes doses de realidade que circulam pela metrópole silenciosamente, desfilando e destilando suas dores e aflições. O roteiro – também de Ristum – costura estes microdramas cotidianos com extrema habilidade, sempre sublinhando uma das principais características da cidade grande: a solidão individual, em meio a tanta gente.

É um filme que gradativamente encanta a plateia através da construção e apresentação não apenas sensível de cada um de seus personagens, como também conquista corações e mentes com o hábil desenvolvimento dramatúrgico de cada um dos envolvidos. A trilha sonora mesclando o popular e o clássico  (há um Mozart final simplesmente arrebatador) e ótimas atuações de todo o elenco (Marat Descartes, Marieta Severo, Claudio Jaborandy, Nicola Siri, enfim, um timaço) alavancam ainda mais as qualidades desta muito bem-vinda coprodução Brasil/Argentina.

Se “A Voz do Silêncio” busca o registro dramático-intimista da capital paulista, “Sequestro Relâmpago”, dirigido por Tata Amaral, trabalha mais  diretamente no campo da tensão policial, sem deixar de lado um forte viés de crítica social. Tudo começa quando dois sequestradores inexperientes  (Daniel Rocha e Sidney Santiago Kuanza) escolhem a jovem Isabel (Marina Ruy Barbosa) como vítima. A situação é das mais comuns em São Paulo: uma abordagem rápida, e em poucos segundos mais um cidadão comum vive seus 15 minutos de terror. Porém, algo dá errado, e o sequestro – que deveria ser relâmpago – transforma-se em trovoadas e pancadas de chuva intermitente. Não é o crime em si, contudo, o ponto central do filme, mas a relação de forçada convivência que se estabelece entre a vítima e seus algozes, pessoas que jamais se conheceriam em circunstâncias “normais”. É a partir daí que o filme escancara a fissura sociocultural que corrói o país, ao mesmo tempo em que aborda outras questões da pauta contemporânea, como machismo, religiosidade e pequenos dramas íntimos. Com direito a pitadas de humor, que ninguém é de ferro.

A partir de uma história real, o roteiro foi escrito pela própria diretora, em parceria com Marton Olympio e Henrique Pinto, contando ainda com a consultora de Fernando Bonassi e Renata Corrêa.

O Brasil é o 5º no mundo em violência contra a mulher”, diz Tata. “Isabel se vê ameaçada e precisa negociar sua vida durante toda uma noite. Por outro lado, ela percebe que poderia ser amiga ou colega de escola dos sequestradores, não fosse o abismo social, econômico e cultural que os separa”. Forte.