BALANÇO GRAMADO 2014: ÓTIMO PARA OS FILMES BRASILEIROS, FRACO PARA OS LATINOS.

Foi muito bom constatar que, nesta sua 42ª edição, o Festival de Cinema de Gramado novamente deu mais importância ao Cinema que às badalações vaziam que o levaram ao fundo do poço, anos atrás. Pela 3ª vez consecutiva, desde que sua organização foi entregue a uma nova equipe, Gramado pensou e respirou Cinema, fazendo com que se tornassem ainda mais distantes aqueles tristes anos onde até a famigerada “Vila de Caras” se instalou no evento.

Tivemos longas e curtas brasileiros de alta qualidade. A competição, equilibrada, brindou o público com pelo menos quatro longas de grande dimensão cinematográfica, como “Sinfonia da Necrópole” (de Juliana Rojas), “A Despedida” (Marcelo Galvão), “A Estrada 47” (Vicente Ferraz) e “A Luneta do Tempo” (Alceu Valença).

Muito mais que apenas ótimos filmes, esta tetralogia de longas demonstrou que (1) Marcelo Galvão alcançou uma maturidade extremamente bem-vinda, após o comercialmente bem sucedido, mas cinematograficamente frágil “Colegas”; (2) Vicente Ferraz mostrou que o cinema brasileiro tem, sim, qualidade suficiente para incursionar por gêneros que nos são historicamente favoráveis (Guerra), abrindo um leque de possibilidades cada vez maior para as nossa produções; (3) Juliana Rojas, no primeiro longa que dirige sozinha, comprova um talento que seus curtas já haviam sinalizado, e ela se firma, não mais como uma promessa, mas como uma realidade no nosso cinema e (4) Alceu Valença, quem diria, não bastasse o enorme talento que sempre demonstrou no campo da música, agora se mostra um nome de peso também no cinema.

E vale lembrar: todos eles são jovens talentos, com muita lenha pra queimar no nosso cinema. Alceu, se não é jovem na idade, é jovem neste seu novo metiê.

A curadoria de curtas também soube montar uma programação de grande qualidade, mesclando tanto filmes de narrativas mais clássicas e tradicionais (“A Pequena Vendedora de Fósforos” e “O Que Fica”, por exemplo), com produções mais arrojadas e experimentais, como “Se Esta Lua Fosse Minha”, “História Natural”, “Compêndio”, e aquele curta do Carlos Adriano que não há maneira de alguém decorar o título. Todos, no mínimo, instigantes.
A exceção fica por conta do infantiloide “Cartas a uma Jovem Cineasta”, que une uma colagem de imagens que já era antiga nos anos 60, um entediante texto discursivo-panfletário, e letreiros patéticos onde pululam até erros de digitação. Provavelmente o diretor estava brincando e a curadoria aceitou a brincadeira, pois não há como levar o filme minimamente a sério.

A mostra competitiva dos filmes latinos foi o ponto baixo do festival. Não somente pela qualidade apenas mediana (ou pior) da maioria dos títulos em competição (salvo as honrosas exceções de “El Crítico” e “El Lugar del Hijo”, que tampouco são notáveis), mas também pela falta de ineditismo dos mesmos, quase todos já exibidos na Mostra de São Paulo ou no Festival Latino da mesma cidade.
Chamou a atenção também o fato de, dos 5 longas em competição, 4 serem produzidos ou coproduzidos com a Argentina. Nada contra o cinema dos “hermanos”, mas com a quantidade de títulos produzidos pela América Latina como um todo, Gramado deveria ter se empenhado tanto na questão do ineditismo, quanto no quesito diversidade. Afinal, vale lembrar que temos uma dívida eterna com a América Latina, cujos filmes salvaram o Festival de Gramado da extinção, naquela triste época em que o então presidente Fernando Collor quase matou nossa produção cinematográfica.

Mas vergonhosa mesmo foi a participação de “Esclavo de Dios”, filme que não apenas tem roteiro de novela mexicana e direção que busca a estética norte-americana de filminho de ação de segunda linha, como traz uma constrangedora propaganda sionista ao colocar todos os personagens judeus como heróis salvadores da pátria e todos os árabes como animais fanáticos. Gramado não merecia isso.

As premiações

Os cineastas costumam dizer que só o fato de ter seu filme selecionado para um festival já é um prêmio. Todos compreendemos o aspecto simbólico desta afirmação, mas ultimamente, em muitos festivais brasileiros, a frase tem se tornado menos simbólica e mais literal. Ou seja, graças à política de “deixar todo mundo feliz” adotada por vários júris, quase todo mundo que concorre acaba, mesmo, ganhando prêmio.

A intenção de premiar “todo mundo” pode até ser das melhores, mas isso acaba gerando distorções cinematográficas, estéticas, éticas e até de lógica. É o caso, por exemplo, de “A Estrada 47″ (filme que eu gosto muito, por sinal): ele não foi escolhido pelo júri como o de melhor roteiro, nem melhor direção, nem fotografia ou atores.. quase nada (ganhou o de melhor som)… e mesmo assim saiu do Festival de Gramado com o prêmio máximo de Melhor Filme. Como se diz por aí, pode isso, Arnaldo?

Há quem defenda esta prática, argumentando que é uma forma de valorizar os demais filmes. Eu não vejo o menor sentido. E, pensando bem, também não há o menor sentido em “dividir” uma obra tão coletiva como a cinematográfica em pedaços (fotografia, montagem, roteiro, etc…) só com o intuito de torná-la objeto de competição, de premiação e, consequentemente, de assunto midiático.

Mas, enfim, para o bem e para o mal, segue abaixo o resultado da reforma agrária, ou melhor, dos premiados no 42o. Festival de Cinema de Gramado:

CURTAS-METRAGENS

DESENHO DE SOM
Guga Rocha, por “História Natural”

TRILHA MUSICAL
“Sem Título #1: Dance of Leitfossil”

DIREÇÃO DE ARTE
Caio Ryuichi Yossimi, por “O Coração do Príncipe”

MONTAGEM
Carlos Adriano, por “Sem Título #1: Dance of Leitfossil”

FOTOGRAFIA
Giovanna Pezzo, por “La Llamada”

ROTEIRO
Caio Ryuichi Yossimi, por “O Coração do Príncipe”

ATRIZ
Rafaela Souza, por “Carranca”

ATOR
Guilherme Silva, por “Carranca”

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
“O Clube”, Allan Ribeiro

MELHOR FILME / Júri Popular
“A Pequena Vendedora de Fósforos”, de Kyoko Yamashita

MELHOR DIRETOR
Gustavo Vinagre, por “La Llamada”

MELHOR FILME
“Se Essa Lua Fosse Minha”, de Larissa Lewandowski

PRÊMIO CANAL BRASIL
“A Pequena Vendedora de Fósforos”, de Kyoko Yamashita

PRÊMIO DOM QUIXOTE
“Las Analfabetas”, de Moisés Sepúlveda

LONGAS-METRAGENS LATINOS

MELHOR FOTOGRAFIA
Arnaldo Rodriguez, por “Las Analfabetas”

MELHOR ROTEIRO
Manuel Nieto, por “El Lugar Del Hijo”

MELHOR ATRIZ
Paulina Garcia e Valentina Muhr, por “Las Analfabetas”

MELHOR ATOR
Felipe Dieste, por “El Lugar Del Hijo”

MELHOR FILME / Júri Popular
“Esclavo de Dios”, de Joel Novoa

MELHOR DIRETOR
Moisés Sepúlveda, por “Las Analfabetas”

MELHOR FILME
“El Lugar Del Hijo”, de Manuel Nieto

JÚRI DA CRÍTICA

MELHOR CURTA / Júri da Crítica
“La Llamada”, de Gustavo Vinagre

MELHOR LONGA LATINO / Júri da Crítica
“El Crítico”, de Hernán Guerschuny

MELHOR LONGA BRASILEIRO / Júri da Crítica
“Sinfonia da Necrópole”, de Juliana Rojas

LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS

MELHOR DESENHO DE SOM
Branco Neskov, por “A Estrada 47″

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Andrea Buzato, por “Os Senhores da Guerra”

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Paulo Betti, por “Infância”

MELHOR TRILHA MUSICAL
Alceu Valença, por “A Luneta do Tempo”

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
Moacyr Gramacho, por “A Luneta do Tempo”

MELHOR MONTAGEM
Tina Saphira, por “Infância”

MELHOR FOTOGRAFIA
Eduardo Makino, por “A Despedida”

MELHOR ROTEIRO
Domingos Oliveira, por “Infância”

MELHOR ATRIZ
Juliana Paes, por “A Despedida”

MELHOR ATOR
Nelson Xavier, por “A Despedida”

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI (1)
“Os Senhores da Guerra”, de Tabajara Ruas

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI (2)
Fernanda Montenegro, por “Infância”

MELHOR FILME / Júri Popular
“O Segredo dos Diamantes”, de Helvécio Ratton

MELHOR DIRETOR
Marcelo Galvão, por “A Despedida”

MELHOR FILME
“A Estrada 47″, de Vicente Ferraz

Celso Sabadin viajou a Gramado a convite da organização do festival.