Caixa de DVDs registra três décadas de terror.

Versátil se destaca novamente, agora com coleção direcionada aos fãs do terror antigo.

Por Celso Sabadin

Vincent Price, Roger Corman, Edgard Alan Poe, Christopher Lee, Bela Lugosi, H.G. Wells, Boris Karoff e  outros ícones dos horror e do suspense estão todos reunidos numa única caixa de DVDs que chega agora ao mercado. Há espaço até para o brasileiro Alberto Cavalcanti, e a qualidade das cópias beira a perfeição.

São 3 DVDs com 6 filmes de terror produzidos nos anos 40, 50 e 60.  A qualidade entre eles varia do histrionismo de um Vincent Price vivendo um príncipe medieval absolutista e totalitário, à sutileza de um cientista que se vê obrigado a matar o próprio filho para o bem da Humanidade.  Os seis longas podem não ser todos “Obras-Primas do Terror”, como diz o título da caixa lançada pela sempre caprichosa distribuidora Versátil, mas formam inegavelmente um interessante painel de um dos gêneros preferidos do público. Onde não faltam discussões políticas, referências ao período da Guerra Fria, sangue, demônios e, claro, um pouco de humor, que ninguém é de ferro.

Os títulos que compõem a caixa “Obras-Primas do Terror” são:

O Túmulo Vazio (The Body Snatcher, 1945)

Robert Louis Stevenson, o autor do famoso “A Ilha do Tesouro”, escreveu o conto que deu origem a “O Túmulo Vazio”, produção da RKO que marcou a oitava e última participação conjunta de dois “monstros” (com o perdão do trocadilho) do cinema de horror: o eterno Frankenstein Boris Karloff e o eterno
Drácula Bela Lugosi, aqui já distantes de seus ápices cinematográficos.

Karloff é John Gray, um cocheiro que trabalha para o sinistro Dr. McFarlane (Henry Daniell), um médico competente, professor de medicina, mas que não hesita em descumprir a lei e profanar túmulos para conseguir “material” para suas aulas. Para ele, a lei é ignorante, e para o bem da Medicina ela deve ser descumprida. Porém, seu jovem aluno Donald (Russell Wade) não concorda com os métodos do mestre, e aos poucos o sórdido esquema de McFarlane é confrontado tanto por ele como por Gray. Principalmente quando a polícia começa a vigiar melhor o cemitério local, e novos corpos terão de ser “providenciados”.

A direção é de um jovem e promissor Robert Wise (na época, com 31 anos de idade), que mais tarde dirigiria grandes clássicos como “A Noviça Rebelde” e “Amor Sublime Amor”, entre vários outros. “O Túmulo Vazio” tem pelo menos uma cena que pode ser considerada antológica: um terrível assassinato sinalizado apenas por uma bela voz feminina que cessa repentinamente de cantar, enquanto a câmera permanece parada, mostrando apenas a rua vazia e escura, sugerindo tudo, explicitando nada.

Uma curiosidade: o ator Russell Wade teve uma carreira atípica e meteórica no cinema, onde atuou em mais de 80 filmes durante o curto período de 15 anos. Com pouco mais de 30 anos de idade, abandonou as telas e tornou-se um bem sucedido empresário do ramo imobiliário. Faleceu em 2006, aos 89 anos.

Outra curiosidade: Sharyn Moffett, a expressiva menina na cadeira de rodas que precisa de uma operação, é mais um entre os inúmeros casos de atores-mirins que não vingaram. Ela chegou a atuar em pouco mais de 10 filmes, até com bom destaque, mas abandonou a carreira ainda adolescente, tornando-se depois pastora religiosa.

Burke e Hare, que o filme cita mas não explica, foram dois ladrões de túmulos do século 19 que teriam inspirado Robert Louis Stevenson a escrever seu conto.

 

Na Solidão da Noite (Dead of Night, 1945) 

Filmes compostos por episódios assinados por vários diretores costumam ser irregulares, e “Na Solidão da Noite” não é uma exceção. Não são, contudo, episódios estanques e independentes, mas sim muito bem amarrados por uma boa premissa que lembra o clássico seriado de TV “Além da Imaginação”.

Ao ser chamado para a reforma de uma casa, um arquiteto tem uma estranha surpresa: lá estão reunidas cinco pessoas (uma sexta ainda chegará) que ele jamais viu antes, mas que  “conhece” de seus sonhos. Aos poucos, cada uma delas contará sua estranha história e suas relações com os sonhos do arquiteto. Perturbado, o protagonista não consegue se lembrar como seus sonhos terminam, embora saiba que no final de tudo um grande horror o espera.

O início intrigante e a promessa de um epílogo terrível (o que de fato acontece, mas não será dito aqui) são elementos suficientes para que o espectador releve algumas passagens tediosas e algumas tramas que o fã do gênero fatalmente adivinhará seu desfecho.  Mas valerá a pena. Afinal, nas histórias apresentadas há um pouco de tudo, incluindo espaço para humor e texto básico de ninguém menos que H.G. Wells (que assina o conto que originou o episódio dos jogadores de golfe apaixonados pela mesma mulher).

Curiosamente, e sem nenhum tipo de bairrismo, o melhor episódio, sobre um ventríloquo que se sente manipulado pelo próprio boneco que manipula, tem direção de Alberto Cavalcanti, cineasta brasileiro que fez carreira no exterior.

 

A Noite do Demônio (Night of the Demon, 1957)

A boa e velha disputa entre a crença e o ceticismo ganha ares de film noir em “A Morte do Demônio”. O cético em questão é o psicólogo norte-americano John Holden (Dana Andrews, fazendo sua clássica interpretação de… Dana Andrews), que viaja a Londres para participar de um Congresso onde pretende desmascarar parapsicólogos, sensitivos e místicos de plantão. Lá chegando, porém, fica sabendo da estranha morte de um colega cientista que pesquisava um estudioso de magia negra e ocultismo. Repetindo seu papel de vários filmes policiais da década anterior, Dana começa a investigar o caso por conta própria e, claro, se envolve com uma bela loira (Peggy Cummings), que ninguém é de ferro.

O roteiro de “A Noite do Demônio” é baseado em conto de Montague Rhodes James, um arqueólogo e paleontólogo inglês da virada do século 19 que acabou se notabilizando pelas histórias de terror que adorava escrever. Mesmo tratando do incômodo tema da morte com hora pré-determinada, não é exatamente o roteiro que mais chama a atenção no filme, mas sim a sua caprichada produção. Com refinada fotografia de Edward Scaife (que mais tarde fotografaria “Assassinato por Encomenda” e “Os Doze Condenados”, entre vários outros) e direção de arte de Ken Adam (vencedor de dois Oscars por “A Loucura do Rei George” e “Barry Lyndon”), o filme é cercado de cuidados visuais, belos enquadramentos e por vezes até de uma certa ostentação estética que acaba combinando elegantemente com o precioso preto e branco.

Saborosos diálogos recheados do conhecido sarcasmo britânico, vários deles ironizando as diferenças culturais entre Estados Unidos e Inglaterra, completam o cardápio deste delicioso filme dirigido pelo francês radicado nos EUA Jacques Tourneur, o mesmo dos “noir” “Sangue de Pantera” e “Fuga ao Passado”.

Apesar do astro americano no papel principal, a produção é totalmente inglesa, e marca a estreia da Sabre Films, companhia britânica que faria apenas três longas em seu curto tempo de apenas cinco anos de vida.

Curiosidade: a galesa Peggy Cummings, a atriz principal, fez quase 30 longas entre 1940 e 64, retirando-se da carreira cinematográfica antes mesmo de completar 40 anos. Passou a se dedicar a atividades filantrópicas e permanece viva, com quase 90 anos, até o fechamento deste texto (outubro de 2014). Fontes não oficiais dão conta que ela teria sido namorada do magnata Howard Hughes e de John Kennedy, muito antes dele ser Presidente. Não ao mesmo tempo.

 

A Aldeia dos Amaldiçoados (Village of the Damned, 1960)

Talvez o filme certo na caixa errada, “A Aldeia dos Amaldiçoados” caberia melhor numa coleção de ficções científicas clássicas. Fica a dica. O terror aqui é outro: não há demônios, nem assombrações, mas sim a tentativa de uma invasão extra-terrestre minuciosa e pacientemente coordenada para acontecer a partir do nascimento de embriões alienígenas em mulheres terráqueas.

Em clima de Guerra Fria (afinal, o filme é de 1960), tudo acontece a partir de uma pequena e simpática cidadezinha inglesa acima de qualquer suspeita. É ali que, por algumas horas, todos os seus habitantes perdem os sentidos, sem que nem cientistas muito menos militares consigam descobrir a razão.  O mistério virá à tona em alguns meses, trazendo trágicas consequências.

Produzido na Inglaterra, “A Aldeia dos Amaldiçoados” é o primeiro filme baseado em “The Midwich Cuckoos”, de autoria de John Wyndham, escritor inglês radicado nos EUA. O mesmo livro renderia ainda “A Estirpe dos Malditos”, de 1964, e “A Cidade dos Amaldiçoados”, que John Carpenter filmaria em 1995.

O diretor alemão Wolf Rilla opta por um estilo sóbrio, de pouquíssimos efeitos especiais, que prioriza o clima de mistério e tensão. Se por um lado há um acerto na não exploração da mera superficialidade do aventuresco, sente-se a falta de um melhor aprofundamento da riquíssima relação de ambiguidade entre mãe e filho que nasce do conflito central.

Curiosidade: o papel principal do cientista Gordon Zellaby era para ser interpretado por Ronald Colman, que faleceu antes do início das filmagens. George Sanders não só ficou com o papel que seria originalmente de Colman, como também casou-se com a viúva, Benita Hume, apenas um ano após a morte do seu marido. Só isso já dava outro filme.

 

O Chicote e o Corpo (La Frusta e il Corpo, 1963)

Diretor de mais de 30 longas nos anos 60 e 70, o italiano Mario Bava amealhou uma legião de fãs ao realizar filmes de terror com baixo orçamento e gosto duvidoso. Seus defensores o chamam de gótico e cult. Seus detratores o chamam de trash. Mas o fato é que Bava virou marca registrada de um estilo bastante peculiar de fazer horror barato. Guardadas as devidas proporções, ele foi uma espécie de Roger Corman à italiana. É exatamente Mario Bava quem se esconde sob o pseudônimo de John M. Old para assinar este “O Chicote e o Corpo”.

Saindo agora em DVD, “O Chicote e o Corpo” chegou a ser lançado nos cinemas brasileiros com o título pra lá de apelativo “Drácula, o Vampiro do Sexo”. Pura propaganda enganosa: Christopher Lee não faz o papel de Drácula (sequer de vampiro) e não há cenas de sexo. Na verdade, aqui Lee interpreta Kurt, um dos irmãos de uma família de nobres, banido por ter seduzido e abandonado a filha de uma das empregadas, que acabou se suicidando por causa do infortúnio amoroso. Ao saber da notícia do casamento de seu irmão Christian (Tony Kendall, nome artístico de Luciano Stella), o odioso Kurt retorna ao castelo da família, para incômodo de todos.

Referências ousadas (para a época) ao sadomasoquismo não são suficientes para encobrir a falta de dramaturgia do roteiro, que tenta, sem conseguir, envolver o espectador com uma série de pistas falsas à caça de um assassino. Tudo muito mal amarrado e tedioso. Para piorar, um insistente ruído de vento durante praticamente todo o filme mais cansa os ouvidos que propriamente fornece o clima de suspense pretendido. E mais: nas cenas externas, onde árvores, cabelos e vestidos sequer se mexem, o som do vento permanece insistente. Acaba valendo mais como comédia.

 

A Orgia da Morte (The Mask of the Red Death, 1964)

O que dizer de um profissional que tem, até o fechamento deste texto (outubro de 2014) nada menos que 56 créditos como diretor e 409 como produtor, segundo o site Imdb? Assim é Roger Corman, o rei do terror de baixo orçamento, ainda esperto e atuante do alto dos seus 88 anos.

A coprodução Inglaterra/EUA “A Orgia da Morte”, de 1964, é um dos 56 (até agora) filmes dirigidos por ele.  Faz parte de uma série de contos de Edgard Allan Poe que o diretor/produtor transpôs para o cinema.

A ação se passa na Idade Média, onde o odioso Príncipe Prospero (Vincent Price, quem mais?) comanda o verdadeiro circo de horrores que é o seu castelo. Numa crítica aberta à sociedade não só feudal como de todas as épocas, o território de Prospero exibe uma classe dominante bizarra e animalesca que busca nas festas e nas orgias um escape para tentar encobrir o seu próprio vazio. E Prospero, no comando central e autoritário de seus domínios, procura diminuir o tédio que o atormenta oprimindo violentamente seu povo. Há, porém, uma força maior que a todos subjulga, independente das classes sociais: a Peste, aqui representada pela Morte Vermelha, claramente inspirada na  figura da Morte eternizada por Bergman em “O Sétimo Selo” (aqui, ela joga tarô em vez de xadrez).

Como é típico dos filmes desta época, a direção de arte e a fotografia (esta assinada por Nicholas Roeg, que mais tarde seguiria com sucesso carreira de diretor) explodem na tela em brilhantes cores psicodélicas. Turquesa, laranja, amarelo e verde convivem sem preconceitos, sob uma pesada iluminação..

Também como é típico dos métodos de Corman de economizar verbas, o filme reutilizou cenários da superprodução da Paramount, “Becket, o Favorito do Rei”, tomando, assim, emprestada a sua opulência sem a necessidade de investir em nova cenografia.

“A Orgia da Morte” é o primeiro filme que Corman rodou na Inglaterra.