CINEMA BRASILEIRO: ESTÁ MAIS FÁCIL FAZER QUE EXIBIR.
É necessário haver espaço para todos os tipos de ‘cinema brasileiro’, de candidatos a blockbusters como “VIPs”, ainda em exibição, às produções autorais estreladas, por exemplo, por Simone Spoladore (em cartaz com o difícil e válido “Natimorto” e com o bem equivocado “Não se Pode Viver sem Amor” e, em breve, no ótimo “Elvis & Madona”, bem mais acessível ao grande público). Como se sabe, porém, muitos destes títulos pouco ou nada repercutem nas telonas. Aí chega uma semana como esta, em que estreiam ao todo quatro (!!!) filmes brasileiros independentes, pequenos, que necessitam da mídia para ter visibilidade.
Três destes estão sendo arremessados a esmo, com divulgação praticamente nula: “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais”, comédia popular de Domingos de Oliveira que está pronta desde 2008, com Pedro Cardoso e Claudia Abreu, e que pouquíssimos notarão; o drama de suspense “As Doze Estrelas”, de Luiz Alberto Pereira, com grande elenco (entre outros, Leonardo Brício, Cláudia Mello e Paulo Betti), mas que foi achincalhado pela crítica no último festival de Paulínia; e o documentário “VIPs – Histórias Reais de um Mentiroso”, de Mariana Caltabiano, o lado verídico do filme ficcional estrelado por Wagner Moura, que dificilmente atrairá o espectador deste.
A quarta produção independente a disputar espaço teve, ao menos, coletiva de imprensa e pré-estreia em São Paulo, o que ajuda na suposta visibilidade: é o drama urbano “No Olho da Rua”, do diretor estreante em longas Rogério Corrêa. A premissa, universal, mas também bastante paulistana, mostra o processo de decadência e animalização de um trabalhador ético ao ser demitido depois de quase três décadas de dedicação quase cega. Interpretado por Murilo Rosa, o gancho célebre/comercial da obra (com direito a presença no “Programa do Jô” de ontem, terça), este protagonista é gente como a gente, um anônimo que experimenta autêntica descida aos infernos depois de perder o chão empregatício. O entrecho é verossímil, e o argumento do diretor foi retrabalhado pelo premiado roteirista Di Moretti, de nítido foco humano e social, como denota, por exemplo, sua colaboração com Toni Venturi (“Latitude Zero”, 2000; e “Cabra Cega”, 2004).
O roteiro final é esquemático demais pro seu próprio bem, mas isto é legado da ideia original do diretor; a montagem deixa imprecisas algumas passagens de tempo; e há cenas desnecessárias – mas isso tudo se releva, até certo ponto, num trabalho de estreante com poucos recursos. Não quero aqui entrar nos qualificativos do filme, quero apenas ponderar e jogar um verde: por mais que eu sempre vá defender todo e qualquer espaço para o cinema brasileiro (como um novo projeto de exibição criado pela Vitrine Filmes que em breve comentarei), tenho consciência do nosso mercado. Nesse sentido, qual será o espectador comum (veja bem: não cinéfilo de carteirinha ou fã de cinema brasileiro) que pagará um ingresso caro para assistir a um filme adequado, mas assustadoramente chamado “No Olho da Rua”? Quem vai querer ver um desempregado se dando mal, muito mal?
Conversei com um dos produtores durante a coletiva de imprensa, Jorge Guedes (também produtor do hermético “O Fim da Picada”, de Christian Saghaard), e ele declarou ter consciência da limitação comercial de seu filme. Mas é claro que se pensa no chamariz de um Murilo Rosa (aqui barbado, descuidado, até sujo) e se espera um resultado quase certamente superior ao que de fato se configurará. Fazer cinema é estressante, trabalhoso e muitas vezes demorado. E por maior que seja o amor e a aposta da equipe num projeto, muitos filmes morrem bem antes de chegar à praia. A trama de “No Olho da Rua” acaba mal, é fatalista, e o boca a boca que a obra for gerar com certeza versará sobre isso. Não poderia acabar de outra forma, mas essa elogiável integridade afasta o espectador médio. Mesmo em meio à miséria, as pessoas em geral necessitam de redenção. Aqui não há. Quem vai pagar pra ver?
É difícil fazer e exibir cinema no Brasil. Ainda mais quando em uma semana quatro filmes queimam seu cartucho de forma tão veemente! Você verá um destes quatro? Quem dá mais?

