CINEMATECA EXIBIRÁ CLÀSSICOS RESTAURADOS. DE GRAÇA, COMO SEMPRE DEVERIA SER NUMA CINEMATECA.

A Cinemateca Brasileira, a Sociedade Amigos da Cinemateca e a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça apresentam, entre os dias 23 e 27 de outubro a mostra Marcas da Memória, que inclui títulos restaurados pelo projeto “Memória cinematográfica para um tempo sem memória”, selecionado pela Comissão de Anistia no edital Marcas da Memória.

O projeto recuperou, preservou e restaurou obras ameaçadas de cineastas que pensaram o Brasil dos anos 1960-1970, retratando o período de violenta turbulência social e política dos anos de ditadura militar no país. São eles: Os Fuzis, de Ruy Guerra, premiado com o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1964; Manhã Cinzenta, de Olney São Paulo, exibido na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes de 1970, apesar da proibição da Censura Federal; o curta-metragem Os anos passaram, de Peter Overbeck, que retrata a mobilização estudantil brasileira em 1967 e 1968; e o documentário Libertários, de Lauro Escorel, que trata do papel do Anarquismo no início do movimento operário em São Paulo.

Para completar a programação, a Cinemateca Brasileira selecionou mais seis importantes títulos da filmografia nacional com a mesma temática, como Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, vencedor do Festival de Berlim de 1985 e O Fio da Memória, do mesmo diretor, que discute a experiência negra no Brasil; Imagens do Inconsciente, de Leon Hirszman, obra dividida em três partes que retratam três casos tratados pela Dra. Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico Pedro II – mais tarde, Museu de Imagens do Inconsciente; e O caso dos irmãos Naves, de Luiz Sérgio Person, longa-metragem que conta a história real dos irmãos que foram presos e torturados injustamente.

A mostra celebra ainda o Dia Mundial Do Patrimônio Audiovisual (World Day of Audiovisual Heritage), que neste ano traz o tema Salvando Nosso Patrimônio Para as Próximas Gerações (Saving Our Heritage for the Next Generation). Comemorado sempre em 27 de outubro por cinematecas e arquivos de vários países, com o apoio da Federação Internacional dos Arquivos de Filmes – FIAF, o Dia Mundial Do Patrimônio Audiovisual busca chamar a atenção da sociedade civil e dos governos para a necessidade de preservação dos materiais fílmicos, televisivos e radiofônicos ao redor do mundo.

Realizada pela Cinemateca Brasileira, a mostra Marcas da Memória dialoga com a 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com a qual a Cinemateca vem mantendo parceria que já dura mais de 15 anos.

A Comissão de Anistia e o projeto Marcas da Memória
Criada em 2001, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tem por objetivo promover a reparação de violações a direitos fundamentais praticadas entre 1946 e 1988, configurando-se em espaço de reencontro do Brasil com seu passado, subvertendo o senso comum da anistia enquanto esquecimento. A Anistia no Brasil significa, a contrário senso, memória. Em sua atuação, o órgão reuniu milhares de páginas de documentação oficial sobre a repressão no Brasil e, ainda, centenas de depoimentos, escritos e orais, das vítimas. E é deste grande reencontro com a história que surgem não apenas os fundamentos para a reparação às violações como, também, a necessária reflexão sobre a importância da não repetição destes atos de arbítrio.
É neste contexto que surge o projeto Marcas da Memória, que expande ainda mais a reparação individual em um processo de reflexão e aprendizado coletivo, fomentando iniciativas locais, regionais e nacionais que permitam àqueles que viveram um passado sombrio, ou que a seu estudo se dedicaram, dividir leituras de mundo que permitam a reflexão crítica sobre um tempo que precisa ser lembrado e abordado sob auspícios democráticos, como o presente projeto desenvolvido em parceria com a Sociedade Amigos da Cinemateca.

SERVIÇO:

MOSTRA MARCAS DA MEMÓRIA
de 23 a 27 de outubro, na Cinemateca Brasileira
Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Clementino
Informações: (11) 3512.6111
ENTRADA GRATUITA

FICHAS TÉCNICAS E SINOPSES

OS ANOS PASSARAM
Peter Overbeck
São Paulo, 1967-68, 16mm, pb, 27’
O movimento estudantil brasileiro na época dos movimentos em escala mundial, procurando analisar suas contradições e o comportamento dos estudantes engajados na luta pela democracia e o socialismo.
O filme mescla depoimentos de estudantes da USP com cenas do cotidiano dentro e fora do campus, incluindo passeatas e assembleias organizadas por grupos militantes de esquerda da época. Produzido num momento de efervescência política e cultural, o documentário teve produção dificultada, sendo finalizado em Cuba.
Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 10 anos

OS FUZIS
Ruy Guerra
Rio de Janeiro, 1963, 35mm, pb, 83’
Um grupo de soldados armados é enviado à cidade de Milagres, Bahia, na tentativa de impedir que a população faminta invada e saqueie um depósito de alimentos. Enquanto um povo em delírio pela fome é conduzido pelas previsões de um religioso, um motorista de caminhão observa a situação e se revolta com a miséria que assola a região.
Com montagem e direção de Ruy Guerra, Os fuzis obteve o Urso de Prata (Prêmio especial do júri) no Festival de Berlim de 1964, o Prêmio de melhor fotografia no Festival de Pesaro, 1964, e o Prêmio Cabeza de Palenque no Festival de Acapulco, em 1965.
O filme, que marcou profundamente a estética do Cinema Novo, foi produzido em 1963, mas lançado no Brasil comercialmente apenas em 1965, e com uma montagem sob responsabilidade de seu produtor, Jarbas Barbosa. Apesar de reduzida em 25 minutos, essa versão de Os fuzis repercutiu bastante no debate cultural e político local, constituindo um capítulo importante do movimento do Cinema Novo. Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 12 anos

LIBERTÁRIOS
Lauro Escorel Filho
São Paulo, 1977, 16mm, pb, 30’
O filme descreve – apoiado em fotos, filmes e músicas da época – a formação da classe operária brasileira, em fins do século XIX e início do século XX. Nesse tempo, no estado de São Paulo, o acelerado processo de industrialização forma um proletariado urbano, com marcada presença de imigrantes italianos de formação anarquista. Organizados, conseguem expandir seu movimento e promover as primeiras greves, a fim de obter acordos e melhores condições de trabalho. Após 1917, os efeitos da Revolução Comunista ocorrida na Rússia exacerbam a repressão contra o anarquismo e o movimento se extingue com a prisão e deportação de seus principais líderes. Seu tema candente e o presente de transformação fizeram com que o filme circulasse muito em sindicatos e em comunidades eclesiais de base, participando realmente de seu tempo.
Além do momento político, Libertários está ligado ao debate sobre a história social do trabalho na medida em que participa do projeto Imagens e História da Industrialização no Brasil (1889-1945), sob responsabilidade de Paulo Sérgio Pinheiro, projeto que teve o financiamento do Ministério da Indústria e Comércio, no período de dezembro de 1975 a abril de 1977.
A pesquisa em arquivos e fábricas permitiu também a redescoberta de documentos significativos, como o filme A Sociedade Anônima Fábrica Votorantim (1922).
Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 10 anos

MANHÃ CINZENTA
Olney São Paulo
Rio de Janeiro, 1968, 35mm, pb, 18’
Um casal de estudante segue para uma passeata onde o rapaz, um militante, lidera um comício. Eles são presos durante a manifestação, torturados na prisão e sofrem um inquérito absurdo dirigido por um robô e um cérebro eletrônico.
O diretor sofreu perseguições políticas em razão de sua definição política, mas também pelo fato de Manhã cinzenta ter sido projetado em um voo sequestrado pela organização MR-8. Em 13 de janeiro de 1972, o Superior Tribunal Militar absolve definitivamente o cineasta das acusações de subversão da ordem relacionadas ao filme.
O filme foi exibido na Itália, no Festival de Pesaro, no Festival Internacional de Cinema de Viña del Mar e na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes, em 1970. Participa também da XIX Semana Internacional de Mannheim, conquistando o prêmio de melhor média-metragem, e é premiado no Festival de Oberhausen, na Alemanha, em 1972.
Os negativos e cópias de Manhã cinzenta foram confiscados em 1969, mas duas cópias do filme ficaram guardadas na Cinemateca do MAM-RJ. Através do edital Marcas da Memória, o filme volta às telas em versão restaurada pela Cinemateca Brasileira.
Não indicado para menores de 16 anos

CABRA MARCADO PARA MORRER
Eduardo Coutinho
Rio de Janeiro, 1964-1984, 35mm, cor/pb, 119’
Narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira, líder camponês da Paraíba assassinado em 1962. Interrompida em 1964, em razão do golpe militar, o filme foi retomado 17 anos depois, recolhendo depoimentos dos camponeses que trabalharam nas primeiras filmagens. Assim é recuperada parte da história das Ligas Camponesas de Galiléia e de Sapé e a vida de João Pedro. A viúva do camponês, Elizabeth Teixeira, estrutura o filme ao narrar sua vida nesses 20 anos que separam 1964 de 1984.
Não indicado para menores de 12 anos

O CASO DOS IRMÃOS NAVES
Luiz Sérgio Person
São Paulo, 1967, 35mm, pb, 85’
Com a fuga de seu sócio e parente, com o produto da venda de uma safra de arroz, os irmãos Naves denunciam o fato à polícia, que acaba por prendê-los, acusando-os de haver matado o desaparecido. Sofrem torturas para confessar o que não fizeram e suas mulheres são violentadas. No julgamento são absolvidos duas vezes, mas são condenados pelo veredicto da Corte de Justiça. Quinze anos mais tarde (1952) a “vítima” reaparece dizendo desconhecer o ocorrido. Um dos irmãos já havia falecido. O outro é reabilitado, conseguindo com dificuldade obter uma indenização.
Não indicado para menores de 14 anos

O FIO DA MEMÓRIA
Eduardo Coutinho
Rio de Janeiro, 1991, 35mm, cor, 120’
O filme procura condensar, em personagens e situações do presente, a experiência negra no Brasil a partir de dois eixos – as criações do imaginário, sobretudo na religião e na música, e a realidade do racismo, responsável pela perda de identidade étnica e pela marginalização de boa parte dos cerca de 60 milhões de brasileiros de origem africana.
Livre

IMAGENS DO INCONSCIENTE – NO REINO DAS MÃES
Leon Hirszman
Rio de Janeiro, 1983-1986, 16mm, cor, 55’
No reino das mães tem como principal personagem a paciente Adelina Gomes – moça pobre, filha de camponeses, internada num hospício no final dos anos 1930. Aos 18 anos, Adelina apaixonou-se por um rapaz, mas seu casamento foi proibido pela mãe. Em sinal de revolta, ela estrangula a gata de estimação da família e vai para o manicômio, recebendo diagnóstico de esquizofrenia. Ao longo do filme, conhecemos as esculturas e pinturas feitas por Adelina no ateliê da Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional, organizada por Nise da Silveira em 1946. Suas obras exibem mulheres metamorfoseadas em flor, mães com o coração fora do peito e gatos. A sucessão de imagens é acompanhada por um texto que interpreta os processos psíquicos revelados na arte de Adelina, sugerindo paralelos entre sua produção plástica e diversas figuras mitológicas.
Não indicado para menores de 14 anos

IMAGENS DO INCONSCIENTE – EM BUSCA DO ESPAÇO COTIDIANO
Leon Hirszman
Rio de Janeiro, 1983-1986, 16mm, cor, 80’
Considerações sobre o trabalho de Nise da Silveira à frente do Museu de Imagens do Inconsciente e o papel da atividade artística no tratamento dos pacientes, Em busca do espaço cotidiano também denuncia os limites da psiquiatria tradicional e a decadência dos lugares que acomodam os doentes. A partir daí, volta-se para o caso do Fernando Diniz, cujas pinturas, ora abstracionistas, ora figurativas, muitas vezes povoadas por formas circulares e geometrismos, funcionam como lugar de exposição de seus tormentos subjetivos. Em seus desenhos, Fernando também procura livrar-se do caos para assim organizar seu espaço cotidiano, tal como um homem comum.
Não indicado para menores de 14 anos

IMAGENS DO INCONSCIENTE – A BARCA DO SOL
Leon Hirszman
Rio de Janeiro, 1983-1986, 16mm, cor, 70’
A barca do sol mergulha no universo místico de Carlos Pertius, filho de uma família de imigrantes franceses, internado aos 29 anos. Depois de enfrentar problemas pessoais – a morte do pai – Carlos certo dia vislumbrou uma imagem cósmica, a que deu o nome de “o planetário de Deus”. Foi encarcerado no hospital da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e recebeu o diagnóstico de esquizofrenia. Em 1946, passou a frequentar o ateliê criado por Nise da Silveira, afeiçoando-se por ele como se fosse sua casa. Suas obras são marcadas pela presença de mandalas, sinais de suas tentativas de organizar o caos psíquico. Além disso, receberam especial atenção de Jung, quando expostos em Zurique, em 1957, por ocasião do 2º Congresso Internacional de Psiquiatria.
Não indicado para menores de 14 anos

PROGRAMAÇÃO – MARCAS DA MEMÓRIA

Dia 23/10 – quarta-feira
20h – Sessão de abertura: “Libertários”
Dia 24/10 – quinta-feira
18h – “O Caso dos Irmãos Naves”
20h – “O Fio da Memória”
Dia 25/10 – sexta-feira
18h – “Os Anos Passaram” e “Manhã Cinzenta”
20h – “Imagens do Inconsciente: No Reino das Mães”

Dia 26/10 – sábado
18h – “Os Fuzis”
20h – “Imagens do Inconsciente: Em Busca do Espaço Cotidiano”

Dia 27/10 – domingo
18h – “Cabra Marcado para Morrer”
20h – “Imagens do Inconsciente: A Barca do Sol”