COBERTURA ESPECIAL DE EDIMBURGO, O FESTIVAL DE CINEMA MAIS LONGEVO DA HISTÓRIA.

Por João Moris, de Edimburgo.

Bem-vindxs ao Festival Internacional de Cinema de Edimburgo, na encantadora capital da Escócia! Trata-se do festival de cinema mais longevo do mundo, que acontece ininterruptamente desde 1947 (o Festival de Veneza é o mais antigo, mas houve várias interrupções no período da 2ª Guerra).

O Festival de Cinema de Edimburgo fazia parte do famoso Edinburgh Fringe, um festival de várias manifestações artísticas que ocorre anualmente em agosto na cidade, mas a partir de 2008 a programação de cinema passou a ser exibida exclusivamente em junho.

O Festival de Cinema de Edimburgo privilegia produções britânicas, principalmente da Escócia, e de outros países de língua inglesa, além de produções vindas da Europa.

Filmes escoceses sem legenda

A indústria escocesa de cinema é pequena, mas o país investe cada vez mais em filmes, séries e produções audiovisuais. Em 2018, o investimento chegou a quase US$ 200 milhões, segundo o jornal The Scotsman, um valor razoável se considerarmos que a Escócia tem menos de 6 milhões de habitantes.

Dois filmes escoceses direcionados aos jovens vêm se destacando este ano: Beats (de Brian Welsh) ganhou o prêmio do público do Festival de Rotterdam 2019 e a comédia Boyz in the Wood (de Ninian Doff) abriu o Festival de Edimburgo, com cinema cheio e uma plateia bastante entusiasmada. Conta a história de quatro jovens que se perdem nas Highlands escocesas. Anárquico e muito divertido, o filme tem alucinógenos à base de cocô de coelho, agricultores doidos por hip-hop, assassinos à espreita, além do eterno choque de gerações. Outro filme escocês de destaque no festival é Wedding Belles (de Philip John). Feito originalmente para a TV britânica em 2007, o filme finalmente teve sua estreia na tela grande no Festival de Edimburgo deste ano. É uma comédia de humor negro sobre quatro mulheres da classe operária que, no dia do casamento de uma delas, se vingam dos homens que arruinaram suas vidas. O então desconhecido ator Michael Fassbender faz uma ponta no filme numa cena formidável de dança.

Embora o sotaque típico da Escócia seja um desafio até mesmo para alguns nativos da língua inglesa entender, os filmes escoceses do festival não são legendados. Quando perguntei a um membro da organização a respeito, obtive a seguinte resposta: “Os escoceses se sentiriam ofendidos de assistir a um filme legendado em inglês em sua própria terra e também não cabe ao festival alterar a obra do diretor colocando legendas no filme.” Aqui, um pequeno choque cultural, pois para nós, brasileiros, é comum assistir a filmes portugueses legendados, principalmente em festivais internacionais.

Boyz in the Wood

O filme Boyz in the Wood abriu o Festival de Edimburgo deste ano.

 

Presença feminina  

Uma rápida olhada no catálogo de aproximadamente 200 filmes do Festival de Cinema de Edimburgo, percebe-se o grande número de mulheres cineastas e de filmes com temática feminina na programação deste ano, quase a metade da seleção. Ao contrário dos grandes festivais de cinema hoje, o Festival de Edimburgo parece não fazer alarde nem capitalizar encima deste fato.

Um filme inglês que gostei bastante é Hurt by Paradise, dirigido pela poetisa Greta Bellamacina, que também é roteirista e atriz desta comédia doce-amarga, uma espécie de ode à cidade de Londres, à amizade e à poesia. De cunho totalmente autoral e baixo orçamento, sem comprometer a qualidade, o filme mescla habilmente o universo onírico de uma poetisa, que é mãe solteira com filho pequeno, com a realidade de como viver de seu ofício no dia a dia da cidade grande.

Sadie Brown and Greta Bellamacina in Hurt by Paradise (2019)

Cena do filme inglês Hurt by Paradise, de Greta Bellamacina (à esq.)

O festival traz dois filmes que abordam a questão da imigração e do choque cultural, meus temas favoritos no cinema. O islandês The Deposit (Tryggð, da diretora Ásthildur Kjartansdóttir) trata de uma jornalista solitária que vai fazer uma reportagem sobre imigrantes vivendo na Islândia. Sem noção a respeito do problema, a jornalista convida uma queniana com um filho e uma colombiana para morar com ela, desencadeando um guerra por poder e espaço e levando a um desfecho que deixa um sabor amargo. O filme finlandês Aurora (de Miia Tervo) conta a história de uma finlandesa descolada e semi-alcoólatra que cruza o caminho de um iraniano com uma filha tentando não ser deportado da Finlândia. Apesar das diferenças, acabam se apaixonando. Sim, você já viu este filme antes, a história é bem manjada, mas pelo menos o casal tem uma boa química e o filme se passa em Helsinqui e não em Nova York ou Los Angeles!

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Cena do filme islandês The Deposit .

Muitas mulheres atrás das câmeras ao redor do mundo estão realizando filmes do gênero fantástico. A atriz escocesa Pollyanna McIntosh é famosa entre os fãs do gênero por sua atuação na série The Walking Dead. O primeiro filme dirigido por Pollyanna, Darlin’, parte de uma premissa curiosa: duas garotas ferais rondam uma cidade do interior dos Estados Unidos e uma delas se perde, indo parar num convento católico. Como não podia deixar de ser, o bispo local usa métodos nada ortodoxos para a conversão da besta fera em moça religiosa. Culpa, expiação, abuso sexual, gravidez indesejada, ingestão de cândida e muito sangue fazem parte da jornada da garota. Pena que o filme fique a meio caminho entre o gore (filme sanguinolento) e a crítica à Igreja.

A atriz Lauryn Canny em cena do filme americano Darlin’, de Pollyanna McIntosh

Já o filme americano Go Back to China, da diretora sino-americana Emily Ting, traz um amontoado de clichês sobre diferenças culturais e fala de uma garota americana rica, baladeira e mimada, de ascendência chinesa, cujo pai a chantageia para ir trabalhar com ele na China. Chegando lá, ela descobre que o mundo não é aquilo que imaginava. Típico filme de autoajuda, com direito à mensagem edificante, que em breve deverá estrear na Netflix. O que será que um filme fraco destes faz num festival internacional?

Em meus próximos artigos sobre o Festival de Cinema de Edimburgo, que vai até dia 30 de junho, escreverei sobre a ausência de filmes brasileiros e latino-americanos no festival, entre outros assuntos. Aguardem.