COMEÇOU O 5o. OLHAR DE CINEMA, EM CURITIBA.

por Cid Nades, de Curitiba.

Quinto ano do Olhar de Cinema. Quinta vez que o site vem a Curitiba para reconhecê-lo: Curitiba, a cidade que tem bem além do que cinco belos parques, com certeza. Muito mais do que cinco amigos conquistados pelos dos das bandas de cá: e os de cá, com seu jeito mais sóbrio de curitibanos (algo de paulistanos nisso, onde me reconheço fortemente), o que não é nada mau, o que não significa que sejam tolhidos de bom humor, muito menos de autêntico carinho dedicado a quem gostam. Muito mais do que cinco conhecidos de outros festivais pelo Brasil, bastante diversos entre suas partes, revistos logo na largada, ontem, na abertura: alguns bem mais sedentos por estar e se estabelecer (compreensível e necessário, para quem tem em mente que esse “estabelecer-se” e marcar espaço é um modo até político de encarar a vida – não é meu caso, pelo bem e pelo mal), outros mais, digamos, na boa.

Com certeza bem mais do que cinco filmes bons assistidos nas telas das mais de cinco de salas de cinema utilizadas pelo evento: desde o início muitas salas, o que entregava que o pessoal daqui tinha muito mais do que cinco ambições a serem cumpridas, que até foram alcançadas com serenidade “nos inícios” mais lineares e precisos de em que modos de cinematografias se queria estar, que exigiram um pouco mais de rigor e ranzinzice analítica ano passado (principalmente por algumas apostas novas), e que me coloca em estado desejoso de antes de mais tudo aproveitar a chance para ver os clássicos que por aqui passarão neste 2016, em tela grande afinal de contas – e estarão o grande e imprescindível Person aqui por essas mal traçadas linhas, além de também Ford, Candeias e Mojica, Parajanov…

Se cinco bons filmes novos me forem entregues durante o Festival, já que mais de cinco grandes clássicos com certeza estarão mais marcados do que nunca em minha retina, sairei daqui um ser satisfeito por ter encarado essa quinta jornada (provavelmente a última daqui como crítico – já que estar e ir a lugares de cinema pode estar situado em outras atividades do meio, até somente a de prazer). Satisfeito que já estou por ter enfrentado uma noite com bem menos do que cinco graus centígrados batendo lá fora, que promete ser minimamente temperatura presente ao menos por mais cinco noites, entregando felicidade gelada, entregando o contraponto ideal às felicidades de: estar na cidade (1- um); de ver filmes (2 – dois); de reencontrar amigos (3 – três); de rever lugares únicos para falar e comer (4 – quatro); de saber que de toda forma, com guinadas ou não, esse cinco não deverá ser o número último do evento, tocado por mais de cinco amigos daqui que batalham.

Se fossem seis, ou sete, ou ainda oito, seria fácil montar crônica tão despretensiosa, um tanto boboca e leve: mas, por hora, cinco, basta.

OPERAÇÃO AVALANCHE (Operation Avalanche)
Direção: Matt Johnson
Duração: 94min.
País/Ano: EUA/2016

Muito do clima paranoico que abasteceu fortemente os principais instantes da Guerra Fria (situação que hoje em dia parece tão antiga quanto os tempos das pirâmides egípcias, mas que na curva do tempo está alguns segundinhos aí atrás), que se deram especialmente nos anos 1960, parecia ser o que mais restaria na retina desta nova investida do moderninho diretor canadense que é Matt Johnson: que também é seu próprio ator principal, com jeitão de quem faz de sua presença em tela complemento “necessário” ao ato de “só” dirigir, passando a impressão de que se não mostrar sua cara e performances não crerá que o público lhe dará o reconhecimento que imagina merecer. Bem, antes de continuar: quando digo que “parecia ser o que mais restaria na retina”, o faço com uma baita ponta de alívio, porque o que restou mesmo ao final, ao menos para minha concepção de cinema, foi um baita plano-sequência, dos mais raros, dos mais complexos e bem executados, pós-cedido por todo o instante final bem mais denso e ajustado ao excesso meio patacoada que toca o filme por seu quase todo; e quando digo da impressão de que Matt Johnson precise se exibir para além de ser “somente” diretor, o faço com essa impressão mesmo, mas sem retirar totalmente da credibilidade sua atuação, que se dá num patamar condizente com as “modernices” que tenta imprimir, correta e paralela à dinâmica do fluxo empregados.

Uma coisa que jamais deveria constar em avaliação crítica são as palavras de qualquer ordem que um autor profere antes ou depois do seu evento de sua arte apresentada, já que análises e apreciações deveriam se restringir ao objeto entregue à apreciação, mas… Mas, quando na apresentação de Operação Avalanche é exibido um vídeo do diretor se desculpando por não poder estar aqui no Brasil, e entre tantas ele comenta de pessoas perguntando sobre como “teria” conseguido obter as imagens da maneira como conseguiu, deixando pressupor que boa parte de sua aposta se dava no modelo de captação e na edição das imagens (sempre propositalmente afoitas, sem tempos para respiro – a não ser nos instantes finais, quando o filme se paga na boa densidade obtida, e relembrando que esses instantes finais se deram após a sequência mais agitada, a única realmente de belo cinema imagético – o que cansa, o que entrega clichês estilísticos que morrerão em seu tempo mesmo, não sobreviverão como arte bem executada), sobra a certeza de que criou um trabalho para ser apreciado por ostentação, por criações que deveriam ser parte contígua e imiscuída de/em um todo, e não a serem pinçadas como “os elementos” de raridade, de riqueza, de capacidade. Não dá para crer demais em quem faz dos atos principais de sua arte (no caso, o cinema), o filmar, exercício que ele mesmo faça questão de lembrar, como algo que mexeu com quem o viu e se encantou: no mínimo, humildade diante de seu taco.

E assim vai, na história que se dá nos tempos em que a chegada à Lua representaria a vitória, a superioridade até racial (para além das apostas políticas – capitalismo contra comunismo), quando dois novos agentes da CIA, cheios de ambição (Matt Johnson e Owen Williams, o diretor e o coroteirista, personificados com seus próprios nomes) recebem a incumbência de realizar filmetes para investigar diversos setores da agência de espionagem. A principal missão é a de criar uma falsa descida na Lua (os EUA teriam de vencer na marra essa corrida cheia de emblemas, pelo bem da raça, do modelo político, e pela honra de John Kennedy…), indo inclusive a Stanley Kubrick para tal (imaginado como um espião – ele não era… reza a lenda), quando aprendem cinematograficamente a melhor maneira de criar uma sequência, que seria a exibida como se um “Live” a partir de nosso satélite artificial, no ano de 1969.

Obviamente, um filme feito pleno de referências, de sacadas, de brincadeiras com o que seria de espionagem (telefones grampeados ente outros), de representação do modelo de vida à época (nos EUA, com a representação máxima do “belo e rico” instante em que a sociedade capitalista – a branca – vivia e triunfava), quando as atuações, os cenários, os elementos cênicos todos representam desafios orgulhosos aos nerds de plantão (no final das contas, me parece mesmo mais um filme para nerds). Ok: isso tudo, essa aposta no representativo fortemente factual, pode até passar, se é assim do desejo de diretor e de certo ramo da cinefilia. Mas pega mal mesmo, cansa mais do que tudo, justamente o que parecia ser a cereja do bolo: as imagens, filmadas em 16mm (pelos créditos deu para notar que houve mesmo esse perfeccionismo, com auxílios digitais, o que não é criticável nos dias atuais), pelo tempo todo similarizam o que seria do desarranjo de filmagens feitas por documentaristas que filmam às escondidas (já que no mundo da espionagem) ou no supetão, quando a urgência exige o retrato do instante, mas criando mal estar pelo excesso, pela continuidade inerrompível (neologismo, ok?) das tremedeiras e zooms, caracterizando que toda uma imaginação para criar tais caminhos pareceu sucumbir diante do que nada é mais do que truque estilístico. Como se uma “piada” fosse estendida e estendida porque o humorista arrancou boas gargalhadas lá no início.

Mas, novamente um “mas” pode ser a redenção de tudo: já que a aposta perceptível se dava nas imagens em 16mm, quando ocorre um plano-sequência, filmado de dentro de um carro perseguido, alvejado e abalroado por outro, num instante que deve durar pra além dos três minutos, cheio de percalços e dificuldades de manutenção do foco e ângulos (quando se veem os próprios pés do câmera tentando equilíbrio), de variações de luz, de tomadas que atingem e captam quase o olhar dos agressores no carro que persegue, por entre poeira e solavancos (não dá para saber o quanto daquilo foi ensaiado, quantas tentativas se deram…), o filme se acha, se paga todo (como digo acima). Momento raro, complexo, que respeita demais um dos atos mais belos e que necessitam de precisão das ações mecânicas do cinema, e que contou, aqui, ainda com a habilidade impensável do próprio Matt na direção (o instante da marcha à ré parece até truque, de tão difícil), para coroá-lo, esse sim, como a cereja que sempre foi experimentada como a mais gostosa do bolo imaginado.

E, surpreendentemente, após esse instante raro, quando o filme se dirige para o final, as lentes acalmam, questões humanas drásticas assomam fortemente (a denúncia à insanidade da Guerra Fria ganha seu lugar justo), e a câmera ganha seu valor como objeto a ser cultuado. E surpreendentemente, tudo que me incomodou “no durante” volta à memória somente agora na hora de escrever, mas com o sentido pleno que restarão as coisas boas na retina.

Texto publicado sob licença de www.cinequanon.art.br