CURTAS INTIMISTAS E UM BELO LONGA FRANCO-ESPANHOL MARCAM A NOITE.

“Um mal necessário”. Assim o cineasta pernambucano Camilo Cavalcante, diretor do curta “Ave Maria ou a Mãe dos Sertanejos”, definiu a Copa do Mundo de Futebol, uma das maiores responsáveis pelo pouco público presente ontem à noite nas exibições competitivas do 20º. Cine Ceará. A partida entre Brasil e Chile fechou o comércio mais cedo, complicou o trânsito, e esvaziou a Praça do Ferreira, no centro de Fortaleza, onde fica o Cine São Luiz. Cavalcante lamentou o fato, pois esperava que seu filme fosse visto por mais gente. E quem não viu, realmente perdeu: “Ave Maria ou a Mãe dos Sertanejos”, um dos grandes vencedores do recém-terminado Guarnicê de Cinema do Maranhão, é um curta belíssimo, que resgata o secular – e quase em extinção – hábito brasileiro da reza da Ave Maria às seis horas da tarde. Através de imagens de rara beleza, Cavalcanti demonstra grande domínio de câmera, ritmo, fotografia e – repare – edição de som, para registrar o que ele mesmo chamou de “recorte poético” sobre o tema.

Coincidentemente ou não, outros dois curtas cearenses exibidos na noite de ontem (28/06) também são reminiscências poéticas de seus realizadores: “Supermemórias” de Danilo Carvalho e “Cidade Desterro” de Glaucia Soares apoiam-se sobre lembranças e esparsas recordações pessoais para traçar seus próprios e subjetivos painéis poético-afetivos.

O último curta da noite, “Dona Militana a Romaceira de Outeiros”, ainda que conste na programação do Festival como representante de São Paulo, foi dirigido pelo tocantinense Hermes Leal, e co-produzido pelo cearense Rosemberg Cariri. Conhecido no mercado como proprietário e editor da Revista de Cinema, Leal é radicado em São Paulo, e neste seu curta eterniza a encantadora figura da romanceira Dona Militana, Entendendo-se por “romanceira” a pessoa que “canta” histórias, mantendo aceso um dos mais importantes pilares da tradição oral brasileira. O filme acaba tendo também importância histórico-documental, pois Dona Militana faleceu poucos dias atrás.

Longa franco-espanhol trata de incomunicabilidade

“A Mulher sem Piano”(foto), exibido ontem na Mostra Competitiva, é um filme “de poucas palavras mas que fala sobre muitas coisas”, conforme (bem) define seu produtor Damián Paris. Produzido por França e Espanha, o longa narra a profunda solidão de uma mulher espanhola de meia idade que decide repentinamente mudar de vida: faz sua mala, põe uma peruca, e sai solitariamente pelas ruas de Madri em busca de algo que provavelmente nem ela própria saiba o que possa ser. Uma longa jornada noite adentro dirigida com sensibilidade por Javier Rebollo, que usa muito silêncio, poucos diálogos e intrigantes personagens para abordar com ternura o tema da incomunicabilidade, ao mesmo tempo em que anfineta a maciça presença de imigrantes na Espanha, e lamenta – sem perder o humor – as patrulhas politicamente corretas contra os fumantes.

Muñoz recomenda que o público “não leve muito a sério o filme, pois nós também não o levamos muito a sério na hora de fazê-lo”. Deve ter sido um ataque de falsa modéstia do produtor. “A Mulher Sem Piano” é inteligente e instigante, e certamente recompensará que decidir assisti-lo… a sério. Não há até o momento distribuição brasileira definida para ele.

Celso Sabadin viajou ao Cine Ceará a convite da organização do evento.